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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

O Braço Direito: Livro de uma vida inteira!

 


A frase que intitula esse artigo é do escritor Antônio Cândido, sobre o livro de Otto Lara Resende, chamado: “O Braço Direito”.  “A sensação que nos traz a leitura desse romance é a de um texto irretocável. Uma narrativa que beira a perfeição. Cada frase parece ser um diamante lapidado. Otto sabia que esta era a sua obra-prima, embora tivesse já publicado extraordinários livros de contos”, afirma a romancista Ana Miranda, no posfácio do livro.

Otto Lara Resende é mineiro, natural de São João del-Rei. A primeira edição do livro em questão, data de 1963. Otto nasceu em 1922 e morreu no Rio de Janeiro em 1992. Em seu texto ele recria o ambiente de Lagedo, cidade fictícia, próxima a São João del-Rei.

O nome do livro já é bastante sugestivo. “O Braço Direito,” parece referir-se, a uma imagem lendária de Cristo que, em terras de Espanha, soltou da cruz o braço direito, para absolver um penitente que teve a absolvição de seus pecados negada por um padre.

Laurindo Flores, personagem narrador, lembrou-me Riobaldo, outro personagem de Guimarães Rosa, que também narrou o Grande Sertão Veredas para um doutor da cidade. Enquanto narram uma história deixa transparecer suas dores, medos e angústias. Nesse ponto os dois personagens se parecem bastante.

O narrador Laurindo Flores perdeu o pai, ainda criança e passou a morar num orfanato onde presenciava o grande sofrimento dos garotos, em sua maioria, pobres. No livro ele recria toda a atmosfera religiosa de Minas, e menciona também os conflitos entre religião e grupos políticos que querem neutralizar o poder da Igreja Católica. Otto Lara Resende é um frasista. Em seu texto deixou-nos algumas perólas do tipo: “do zero ao infinito tudo é mistério” e “O mundo foi criado por Deus. Mas quem o administra é o Diabo”.

O braço direito se passa no Asilo da Misericórdia, num antigo arraial que ele chama de Lagedo, na área de mineração do ouro. Quem conhece a história da Misericórdia sabe o peso que tem. Era uma irmandade que, desde os tempos coloniais, reunia poderosos e ricos para um trabalho de caridade – cuidar de órfãos, viúvas, prisioneiros e enfermos – mas com a intenção de tomar da Igreja o domínio de alguns privilégios e se apossar de parte do poder social dos padres. Num casarão prestes a ruir, a ser vendido, a se acabar, o orfanato “guarda risos e lágrimas”, diz o narrador do livro. “Abrigou vidas felizes, mais ou menos públicas, e desgraças ocultas sufocadas no silêncio”. Ali vivem meninos desventurados, tratados aos safanões, surras e cascudos, que recebem assistência, mas sofrem da hostilidade de famílias locais. Passaram por tragédias ou dramas, como a de Boi Manso, que assistiu à morte da própria mãe após se envenenar e atear fogo às vestes. Ou Zeferino, que caiu numa fossa aos três anos de idade e ficou corcunda. (1)

Ainda sobre esses órfãos desamparados o narrador afirma: “Meninos banquelas, caolhos, manquitolas, atarracados, tomados pelo fogo do desejo (...) Vestidos de molambos, o mais bem nascido é filho da ventania e neto da trovoada...” (Pg 305).

Sobre alguns personagens que aparecem no texto podemos destacar:  

Coronel Antônio Pio – Chefe político da região e benfeitor do asilo (violou uma menina menor de idade na Fazenda Concórdia);

Provedor: Ambicioso dono de terras.

Padre Bernardino: Caçador, amante de armas de fogo, hipnotizador e sempre rusguento;

Marieta do Riachinho: Dá notícias da cidade inteira e gosta de frequentar a tenda espírita pois facilmente fica impressionada com tudo;

Bela Calu: Fala sozinha, tira a roupa na praça e entra em transe pelas ruas de madrugada;

Matilde: Dama virtuosa de boa linhagem. Baronesa que mora num palacete e gosta de fazer boas ações.

O romance “O Braço Direito” deveria ser lido por todos os interessados em conhecer esse Brasil profundo com o nome de Minas Gerais, onde o ouro existe mas fica bem escondidinho na barriga das serras. O livro traça um perfil dos mineiros destacando principalmente nossa religiosidade onde o tempo costuma ser demarcado pelo repicar dos sinos. Trata-se de uma leitura agradável, onde o trágico se mistura com o cômico, o histórico nos vem recheado de superstições e fantasias. Vale a pena ler!  

 1-     https://ims.com.br/por-dentro-acervo/o-braco-direito-um-livro-cult/ - Consulta em 20/11/25.

Imagem: Criada a partir de IA.

Um comentário:

  1. Padre, ofereceu neste texto apenas um aperitivo para leitura do livro deste grande escritor.
    Deve realmente ser uma interessante leitura, porque o Senhor tem propriedade para dar boas indicações, afinal tem prazer em garimpar bons livros.
    Se possível for, escreva mais, já que tem muita facilidade em fazer boas observações e sinteze de suas leituras.
    A música pareceu muito apropriada para o tema do livro.

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