A dança como oração
O hino da Campanha da Fraternidade de 2006 foi um dos mais belos em minha opinião. A Campanha, naquele ano, tratou da inclusão da pessoa ...
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O hino da Campanha da Fraternidade de 2006 foi um dos mais belos em minha opinião. A Campanha, naquele ano, tratou da inclusão da pessoa com deficiência. Baseada em Marcos 3,1-5, a música nos ordena a sair de nossa acomodação e entrar na roda da vida. No texto bíblico que fundamenta o hino havia um homem com a mão paralisada e, talvez, por causa do problema físico, estava isolado num canto da sinagoga. Jesus, ao ver aquele moço, ordenou-lhe que se levantasse e viesse para o meio onde seria curado, como de fato o foi. Essa música é uma injeção de ânimo em todos aqueles que andam pelos cantos da vida. Jesus, não quer “cada um no seu canto, sofrendo do seu tanto”. Por isso, tira o homem da margem da convivência e o inclui entre os irmãos. Cito, abaixo, a letra da música em questão:
Levanta-te, chega pra cá e vem para o meio!
Levanta-te, une teu canto a nosso cantar!
Levanta-te, chega pra cá e vem para o meio!
Levanta-te, Vem companheiro à vida brindar!
João Batista mandou perguntar: "És tu aquele que Deus enviou?”
Contem a João o que estão a olhar: Os cegos veem, escutam os surdos,
Os coxos andam e falam os mudos boas notícias a anunciar!
Se o teu olhar, mais além enxergar,
se o teu ouvido escutar as entranhas,
se a tua mão a do manco apertar,
dos excluídos se atendes o anseio,
e o solitário, se o trazes pro meio,
um novo tempo vais inaugurar!
Lembrei-me da música acima após ler o texto de Rumi, um místico Persa do Século XIII. Mas, antes de prosseguir com meu texto, cito também seu poema: “Aonde leva essa Dança”.
Vem, vem, seja você quem for,
não importa se você é um infiel, um idólatra,
ou um adorador do fogo;
Vem, nossa irmandade não é um lugar de desespero;
Vem, mesmo tendo violado seu juramento cem vezes,
vem assim mesmo.
Vem,
lhe direi em segredo
aonde leva esta dança.
Vê como as partículas do ar
e os grãos de areia do deserto
giram desnorteados.
Cada átomo,
feliz ou miserável,
gira apaixonado
em torno do sol.
Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
falemos deste outro modo.
Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma.
Fechemos então a boca e conversemos através da alma.
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.
Vem, se lhe interessa, posso mostrar.
A dança é sinal de alegria. Mas, é também uma forma de rezar com o corpo inteiro. Que o digam os meus irmãos do congado! Eles dançam três dias seguidos por devoção aos santos padroeiros. A Bíblia não esconde que o Rei Davi, diante da arca de Deus, “rodopiava com todas as suas forças” – 2 Sm 6,14.
Rumi desenvolveu o “sama”(4), uma dança extática em que os dervixes giram em torno de si e ao mesmo tempo de um eixo projetado do centro, imitando os movimentos de rotação e translação dos planetas em torno do sol (1). O Giro Sufi está associado à ligação da terra com o céu, da matéria com o espírito, ao contato com o divino. Através do giro o corpo pode entrar em contato com o que contém de mais profundo, aumentando a consciência de si mesmo e daquilo que o rodeia (2). A dança mística leva o homem, portanto, a um estado de profunda união com Deus. Parece um jeito de dissolver o próprio ego para se tornar uma unidade com o transcendente. O místico sente uma unidade em todas as coisas. Há apenas uma consciência, ou um Deus que permeia tudo (3). Dizem que Rumi era tão “embriagado” do sagrado que certo dia, ao caminhar pelas ruas de Konya (atual cidade da Turquia), quando ao ouvir o som dos martelos das oficinas dos ourives, entrou em êxtase e pôs-se a dançar em plena rua em frente à loja de Salah ud- Din Zarkub, seu velho amigo (5). Talvez, algo parecido acontecia também com Santa Tereza de Ávila que conseguia “ver Deus entre suas panelas”...(6). Na verdade, Deus não precisa de um lugar especial para Se nos revelar. Às vezes, escolhe os lugares mais inusitados para isso, como no caso de Zaqueu que estava no alto de um sicômoro ou a Samaritana que buscava água no poço...
O Hino da Campanha da Fraternidade de 2006 fez uma grande convocação: Venha para o meio! Não importa que você seja, ou qual deficiência você tenha. Vem para o meio. Isso é uma proposta de inclusão maravilhosa! O texto da poesia mística de Rumi também fez essa convocação universal para a adoração: Vem, vem, seja você quem for, não importa se você é um infiel, um idólatra, ou um adorador do fogo; Vem, nossa irmandade não é um lugar de desespero; Vem, mesmo tendo violado seu juramento cem vezes, vem assim mesmo...
O mundo atual, da “globalização da indiferença” precisa, mais do que nunca, ouvir esse tipo de convocação. A busca da unidade, para além das diferenças, deveria ser uma questão fundamental. Mas, ao invés disso, ainda temos prazer em construir muros em vez de pontes. Somos filhos de um único Deus, ainda que Ele seja invocado com diferentes nomes e, assim como os planetas giram em torno do sol, deveríamos todos, apesar das diferenças, girar em torno de Deus. Pense nisso!
1- Jala al- Din-Rumi, Mawlana. Poemas Místicos / Rumi; Seleção de Poemas do Divan de Shams-i Tabriz, trad. E intro. De José Jorge de Carvalho. São Paulo: Attar, 1996.
2- https://ahau.org/o-giro-sufi/
3- http://ggpadre.blogspot.com/2019/04/a-mistica-permeia-todas-as-religioes.html
4- Alguns acreditam que o sama é uma adaptação das técnicas de exaltação religiosa que Shams ( um grande místico contemporâneo de Rumi) praticava, e que se tornou uma característica da ordem sufi Mevlevi, fundada pelo filho de Rumi, Sultan Walad. Os praticantes dessa dança que é também uma forma de meditação e êxtase são conhecidos como os dervixes girantes (Ver Poemas Místicos, PP 29)
5- Ver: Poemas místicos, PP 32.
6- A tradição carmelitana afirma que Santa Tereza, certo dia foi arrebatada em êxtase enquanto cozinhava. De fato, no seu livro: “Fundações”, cap 05, ela afirma: Entre os púcaros (tachos, vasos) anda o Senhor...
Levanta-te, chega pra cá e vem para o meio!
Levanta-te, une teu canto a nosso cantar!
Levanta-te, chega pra cá e vem para o meio!
Levanta-te, Vem companheiro à vida brindar!
João Batista mandou perguntar: "És tu aquele que Deus enviou?”
Contem a João o que estão a olhar: Os cegos veem, escutam os surdos,
Os coxos andam e falam os mudos boas notícias a anunciar!
Se o teu olhar, mais além enxergar,
se o teu ouvido escutar as entranhas,
se a tua mão a do manco apertar,
dos excluídos se atendes o anseio,
e o solitário, se o trazes pro meio,
um novo tempo vais inaugurar!
Lembrei-me da música acima após ler o texto de Rumi, um místico Persa do Século XIII. Mas, antes de prosseguir com meu texto, cito também seu poema: “Aonde leva essa Dança”.
Vem, vem, seja você quem for,
não importa se você é um infiel, um idólatra,
ou um adorador do fogo;
Vem, nossa irmandade não é um lugar de desespero;
Vem, mesmo tendo violado seu juramento cem vezes,
vem assim mesmo.
Vem,
lhe direi em segredo
aonde leva esta dança.
Vê como as partículas do ar
e os grãos de areia do deserto
giram desnorteados.
Cada átomo,
feliz ou miserável,
gira apaixonado
em torno do sol.
Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
falemos deste outro modo.
Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma.
Fechemos então a boca e conversemos através da alma.
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.
Vem, se lhe interessa, posso mostrar.
A dança é sinal de alegria. Mas, é também uma forma de rezar com o corpo inteiro. Que o digam os meus irmãos do congado! Eles dançam três dias seguidos por devoção aos santos padroeiros. A Bíblia não esconde que o Rei Davi, diante da arca de Deus, “rodopiava com todas as suas forças” – 2 Sm 6,14.
Rumi desenvolveu o “sama”(4), uma dança extática em que os dervixes giram em torno de si e ao mesmo tempo de um eixo projetado do centro, imitando os movimentos de rotação e translação dos planetas em torno do sol (1). O Giro Sufi está associado à ligação da terra com o céu, da matéria com o espírito, ao contato com o divino. Através do giro o corpo pode entrar em contato com o que contém de mais profundo, aumentando a consciência de si mesmo e daquilo que o rodeia (2). A dança mística leva o homem, portanto, a um estado de profunda união com Deus. Parece um jeito de dissolver o próprio ego para se tornar uma unidade com o transcendente. O místico sente uma unidade em todas as coisas. Há apenas uma consciência, ou um Deus que permeia tudo (3). Dizem que Rumi era tão “embriagado” do sagrado que certo dia, ao caminhar pelas ruas de Konya (atual cidade da Turquia), quando ao ouvir o som dos martelos das oficinas dos ourives, entrou em êxtase e pôs-se a dançar em plena rua em frente à loja de Salah ud- Din Zarkub, seu velho amigo (5). Talvez, algo parecido acontecia também com Santa Tereza de Ávila que conseguia “ver Deus entre suas panelas”...(6). Na verdade, Deus não precisa de um lugar especial para Se nos revelar. Às vezes, escolhe os lugares mais inusitados para isso, como no caso de Zaqueu que estava no alto de um sicômoro ou a Samaritana que buscava água no poço...
O Hino da Campanha da Fraternidade de 2006 fez uma grande convocação: Venha para o meio! Não importa que você seja, ou qual deficiência você tenha. Vem para o meio. Isso é uma proposta de inclusão maravilhosa! O texto da poesia mística de Rumi também fez essa convocação universal para a adoração: Vem, vem, seja você quem for, não importa se você é um infiel, um idólatra, ou um adorador do fogo; Vem, nossa irmandade não é um lugar de desespero; Vem, mesmo tendo violado seu juramento cem vezes, vem assim mesmo...
O mundo atual, da “globalização da indiferença” precisa, mais do que nunca, ouvir esse tipo de convocação. A busca da unidade, para além das diferenças, deveria ser uma questão fundamental. Mas, ao invés disso, ainda temos prazer em construir muros em vez de pontes. Somos filhos de um único Deus, ainda que Ele seja invocado com diferentes nomes e, assim como os planetas giram em torno do sol, deveríamos todos, apesar das diferenças, girar em torno de Deus. Pense nisso!
1- Jala al- Din-Rumi, Mawlana. Poemas Místicos / Rumi; Seleção de Poemas do Divan de Shams-i Tabriz, trad. E intro. De José Jorge de Carvalho. São Paulo: Attar, 1996.
2- https://ahau.org/o-giro-sufi/
3- http://ggpadre.blogspot.com/2019/04/a-mistica-permeia-todas-as-religioes.html
4- Alguns acreditam que o sama é uma adaptação das técnicas de exaltação religiosa que Shams ( um grande místico contemporâneo de Rumi) praticava, e que se tornou uma característica da ordem sufi Mevlevi, fundada pelo filho de Rumi, Sultan Walad. Os praticantes dessa dança que é também uma forma de meditação e êxtase são conhecidos como os dervixes girantes (Ver Poemas Místicos, PP 29)
5- Ver: Poemas místicos, PP 32.
6- A tradição carmelitana afirma que Santa Tereza, certo dia foi arrebatada em êxtase enquanto cozinhava. De fato, no seu livro: “Fundações”, cap 05, ela afirma: Entre os púcaros (tachos, vasos) anda o Senhor...
Belo texto! A música e a dança acompanham o ser humano desde os primórdios tempos...e a prática dessas artes são também uma forma de oração. Parabéns e obrigada por nos brindar com tanta poesia.
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