Mitologia africana: Oxóssi

Todos os povos têm seus mitos de origens. Eles explicam a realidade ou partes dela. Mas, o conceito de “deus” na mitologia, nem de longe,...

Todos os povos têm seus mitos de origens. Eles explicam a realidade ou partes dela. Mas, o conceito de “deus” na mitologia, nem de longe, pode ser comparado com o conceito de Deus nas religiões. No Cristianismo, por exemplo, Deus é um espírito perfeitíssimo criador do céu e da terra... Na mitologia “deus” nem é Deus, nem perfeitíssimo e nem sempre criador. É parte da realidade, seja como ancestral divinizado ou energias diversas. É nesse sentido, que na mitologia Iorubá, Oxóssi é um deus caçador e protetor das florestas. Essa é a sua principal característica e isso se funda em uma lenda (itan) de origem:

Todos os anos Olofin, Rei de Ifé, promovia uma grande festa na colheita dos inhames.  No ponto alto da festa o rei se apresentava no pátio do palácio acompanhado de suas mulheres, seus oficiais e seus escravos. Na ocasião todos podiam comer à vontade o inhame pilado e beber vinho de palma. As músicas e danças corriam soltas.
Em uma das festas Olofin se esqueceu de convidar as Iá Mi Oxorongá, as mães feiticeiras. Isso lhe trouxe muitos aborrecimentos. Revoltadas pela falta de consideração as feiticeiras enviaram ao palácio, bem na hora da festa, um grande pássaro, quase do tamanho de uma nuvem.  Com aspecto assustador o pássaro ameaçava acabar com a festa, pois assustava a todos. Olofin, então, fez propostas aos melhores caçadores para que matassem aquela ave intrusa.  De Idô, veio Oxotogum com suas vinte flechas; Oxotogi apareceu com suas quarenta flechas e de Ilarê veio Oxotadotá com suas cinquenta flechas. Nenhum deles conseguiu matar aquela ave medonha. Meio desanimado o rei convidou Oxotocanxoxô. Esse caçador era filho único e só possuía uma flecha. Sua mãe com medo de perdê-lo procurou um babalaô (líder religioso), que a orientou para fazer um ebô (oferenda) para as feiticeiras. Para isso ela abriu uma galinha e a colocou na estrada dizendo três vezes: “Que o peito do pássaro aceite esse presente”. Nesse exato momento, seu filho atirou a única flecha no peito do pássaro que estava distraído por causa das oferendas. Ele caiu de onde estava já sem vida. O rei muito feliz ofereceu a Oxotocanxoxô a metade de seu reino enquanto o povo cantava chamando-o de Oxóssi, que na língua do lugar quer dizer: “O caçador Oxô é popular”. Desde então Oxóssi passou a ser o seu nome.

Num outro Itan podemos perceber como Oxóssi se transformou em Orixá:

Naquele dia Oxóssi (também chamado por Odé) a caça estava proibida. Mas, Odé ignorou a proibição e entrou na mata assim mesmo. Oxum, sua esposa, cansada de ver o desrespeito do marido também saiu de casa. Estando na mata Odé ouviu um canto que assim dizia: Eu não sou passarinho para ser morta por ti... Era o canto de uma serpente, era Oxumaré. Odé nem ligou para esse canto e cortou a serpente em pedacinhos. No caminho de volta para casa continuou a ouvir o mesmo canto. Mas, fez de conta que nada ouviu. Chegando em casa preparou a comida com as caças que trouxera e comeu bastante. No outro dia sua esposa Oxum resolveu retornar a casa para ver como estava o marido. Encontrou-o morto com o corpo esticado no chão. Bem ao seu lado, Oxum viu o rastro de uma grande serpente que se alongava até entrar na floresta. Desesperada caiu em prantos e suplicou aos deuses pela vida de seu marido. Fez um ebó para Orumilá (Um orixá praticamente desconhecido no Brasil), e chorou tanto que acabou sendo atendida. Seu marido voltou à vida, mas dessa vez como Orixá protetor dos caçadores.

O culto a Oxóssi, na cultura do Povo Iorubá era muito importante por diversos fatores:

De ordem material: Oxóssi,  protege os caçadores e torna suas expedições bem sucedidas;
De ordem médica: por estar em constante contato com as ervas Oxóssi, assim como Ossain, conhece os seus segredos medicinais.
De ordem social: por suas constantes incursões pelas matas Oxóssi descobre o lugar ideal para plantar roças e estabelecer aldeias.
De ordem administrativa e policial: Antigamente só aos caçadores era dado o direito de portar armas por isso eram também guardas noturnos.

O culto a Oxóssi, hoje praticamente extinto na África, é extremamente popular no Brasil e em Cuba. Na Bahia chega-se mesmo a dizer que Oxóssi foi o rei de Kêto, onde outrora era cultuado. No sincretismo ele tornou-se São Jorge na Bahia, São Sebastião no Rio de Janeiro, e São Norberto em Cuba. É representado com arco e flecha, os seus símbolos principais. Em uma das mãos costuma segurar um espanta moscas (erukerê), pois essa era também a insígnia de grandes reis. O arquétipo das pessoas de Oxóssi são a esperteza e rapidez, qualidades necessárias aos caçadores. Gostam de fazer constantes mudanças e costumam ser generosas e hospitaleiras.

Penso que Oxóssi não anda muito satisfeito com nosso país. Ultimamente, o que mais assistimos são desastres ambientais e todo tipo de agressão à natureza.  Apenas uma mineradora, movida pela ambição desmedida, acabou matando um rio inteiro em Minas Gerais! Quem vivia do Rio Paraopeba e se beneficiava de seus mananciais agora estão deprimidos e muitos tiveram que mudar de suas terras. Outras centenas de vidas foram soterradas num mar de lama. Alguns corpos jamais serão encontrados...  

Que Oxóssi, nos livre de sua ira!

Obras consultadas para esse artigo:

Prandi, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. SP, Cia das Letras, 2001.

Verger, Pierre-Fatumbi. Lendas Africanas dos Orixás. 4ª edição. Salvador, BA, Corrupio, 1997. Pp. 14.

__________________ . Orixás, deuses Iorubás, na África e no Novo Mundo. 5ª Edição, Salvador, Corrupio. 1997. PP 86.

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