Pai e filho

A noite já caia preguiçosa naquela tarde de agosto. Aproveitei o restinho do dia para uma passada ao supermercado mais próximo. Sou preca...

A noite já caia preguiçosa naquela tarde de agosto. Aproveitei o restinho do dia para uma passada ao supermercado mais próximo. Sou precavido por natureza e sabia que meu estoque de arroz pedia reforço. O ambiente de mercado é composto de sons, cheiros e sabores. Ele reproduz a dinâmica da vida também marcada por tudo isso. Todos ali estávamos em final de expediente e, por isso, os cheiros de gente se misturavam aos aromas de abacaxis e erva doce... Enquanto empurrava meu carrinho de compras ouvia o burburinho e via o desfilar de gente apressada que não escondia o cansaço da luta. Como é bom ser normal! Acho que não é normal uma pessoa que está sempre perfumada. Aliás, outro dia, recebi o abraço de uma comadre e em seguida, tive que tomar banho, tamanha foi a crise de espirros gerada pelo seu perfume, mais forte do que a morte!

O mercado, mais do que um local de compras, acaba sendo local de encontros. Não foi por acaso, que naquela noite, acabei me encontrando com Renato Carvalho, um amigo de velhos carnavais. Trocamos algumas palavras, reclamamos do preço de tudo e, logo após, nos despedimos. Naquela cena tão corriqueira algo chamou minha atenção. Renato empurrava o carrinho enquanto seu filhinho, João Lucas posava de motorista.  No olhar da criança o retrato vivo da inocência e da confiança quase absoluta no pai.  Naquele momento, diante do filho pequeno, Renato era o “super herói”. Por isso, não tinha fome, cansaço, olheiras e não se abatia diante de nada, nem mesmo diante dos preços. Quem visse a cara do menino imaginaria, facilmente, que ele pilotava o carrinho. E mais que ninguém, ele também estava convencido disso!

A imagem bonita acima, me fez viajar na imaginação.  Senti que nossa relação com Deus também costuma passar por aí. Ele deixa a gente pensar que dirigimos o carrinho de nossa vida, quando na verdade, é sua mão quem nos ampara e conduz. O Olhar de encantamento do Renato em direção ao filho me fez lembrar que Deus, certamente, nos olha assim: como um pai que ama e torce pelo filho o tempo todo. Nós, mal sabemos, mas quando chegarmos ao caixa, ao final da vida, nossa conta já foi paga... Alguém pagou por nós derramando o próprio sangue na cruz.

A relação de pai e filho é marcada por um amor divino. Quando a situação fica difícil Deus nos empurra com sua mão e a gente consegue subir até mesmo num pau de sebo...
Pai não se acanha de brincar até de “cavalinho” com o filho. Para facilitar a montaria ele se rebaixa a altura da criança. Deus também se rebaixa para não nos assustar com sua grandeza. Não fosse assim, de que maneira iríamos compreender o mistério da encarnação?  - O verbo de Deus se fez carne, e habitou entre nós...

Naquela noite ao sair do supermercado não sabia de quem tinha mais inveja: se do Renato como pai amoroso ou do João Lucas encantado com a figura paterna. Mais uma vez, lembrei-me, da relação profunda entre o Pai Eterno e o Filho, unidos pelo Amor, a quem chamamos de Espírito Santo.

Nos braços de Deus quero ser como o João Lucas. Ver o pai com admiração e reverência, mas, sobretudo com um amor tão confiante que só um filho pode ter com o pai. Agradeço ao Renato que, mesmo sem nada perceber, me colocou em atitude de oração naquela noite de agosto. Mais uma vez tive a certeza do grande amor que Deus tem por mim, logo eu, um filho tão marcado pelas fraquezas...

Observação: Na foto, Renato ajuda João Lucas a subir num pau de sebo. Festa realizada pela Paróquia Santo Antônio, em Pará de Minas, em agosto de 2019.

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  1. Bela interpretação, padre. É isso mesmo. Deus se inclina para nos ouvir .

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  2. ...Como é fácil interpretar a relação com Deus da maneira que o senhor escreve essa crônica Padre Gabriel. Agradeço por me mostrar o quanto somos importantes na vida das pessoas. Na simplicidade vivo meus melhores momentos de família.
    Agradeço pelo sua amizade.
    Um forte abraço.
    De seu amigo Renato Carvalho

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