As tentações do poder

 

É curioso notar que, até entre os mais santos, o pecado também consegue entrar. O diabo não é preguiçoso e sempre dá um jeito de jogar areia na farofa. Uma das tentações mais frequentes que enfrentamos é a tentação do poder. Isso aconteceu até no grupo dos apóstolos! A passagem bíblica pode ser conferida no Evangelho de São Marcos (Mc 10, 35 -45).

Pela terceira vez, Jesus havia anunciado, com todas as letras, que iria sofrer e morrer em Jerusalém. Mas, durante essas falas, os discípulos estavam com os ouvidos tampados. De fato, a gente só escuta bem aquilo que nos é conveniente! Alguns deles esperavam algo oposto a isso da parte de Jesus. Esperavam que ele fosse restabelecer o reino de Israel com toda sua grandeza, expulsar os romanos e criar um reino nos moldes do Rei Davi. Quem sabe nessa nova situação não teriam uma boquinha? Dois dos mais corajosos chegaram a expressar esse desejo: Tiago e João. Eles pediram pouca coisa: Queriam, apenas, sentar, um à direita e o outro à esquerda de Jesus no novo reino! Dá para entender? Jesus acabara de falar de sua morte e eles querendo posições de destaque no novo governo?

O que é poder? Não vou defini-lo por dois motivos: tenho ojeriza às definições e o tamanho do texto não permite pois, não quero me perder num emaranhado de conceitos... Sei que ele é inerente ao ser humano. No filme "Robson Crusoé", a primeira atitude do personagem principal, ao encontrar o "Sexta Feira", foi colocar o pé sobre o seu ombro. Ao ver a cena pensei num ritual de poder. O náufrago, perdido na ilha, demostrou para a primeira "alma viva," por ele encontrada, quem ali, possuía mais poder. Quando penso em poder não me refiro, apenas, à presidência da república, à governança estadual ou municipal. É claro, que ali estão as estruturas do poder. Mas, ele está também, nas empresas, nas igrejas e até nas capelinhas mais modestas. Nesse caso, os padres que o digam, como sofremos com isso! A “dona” responsável pela gaveta das toalhas, não empresta a chave para ninguém; o responsável pelo quartinho das vassouras, idem; a “dona” que cuida das panelas tem mais ciúme delas, que do marido...

Alguns, investidos do poder, não resistem à tentação de se identificarem com ele. Agem como se eles mesmos fossem a encarnação do poder. Assim, agiram todos os monarcas absolutistas. No regime democrático, entretanto, o poder repousa sobre o vazio. Ele não se identifica com ninguém. É delegado pelo povo para que alguém o exerça, “provisoriamente”, durante certo tempo. Como ninguém se apossa dele, infinitamente, seu titular provisório, tem um desafio diário: lutar para não perdê-lo. A palavra "demos" + "Kratos" , afirma que "o povo", por mais vaga que seja essa expressão, é o verdadeiro titular do poder. Ele confere e retira e retira o poder (Kratos) a quem quiser e durante o tempo que quiser.

Infelizmente, muitos se iludem com o poder. A maior ilusão é pensar que ele é vitalício. Arvoram para si a aura dos deuses. No caso do poder político, se você quiser observar isso, basta analisar sua relação com os detentores do poder, antes e depois dos mandatos. Meus Deus, como mudam!!! Enquanto ocupam os mandatos parecem cegos. Não conseguem ver a vida como cidadãos comuns. Permanecem acima das nuvens e se sentem verdadeiros deuses. Passam a não enxergar as mazelas da vida. Não veem a dor do pobre, e a fome de justiça do "comum dos mortais". Sentem somente o incenso queimado pela legião, sempre crescente, dos puxa-sacos.

Nesse texto não quero abordar somente o lado mau do poder. O exercício dele pode levar as pessoas a se aproximarem da bondade ou maldade. Você já pensou quanta coisa boa pode fazer quem está num lugar de poder? O inverso, infelizmente, também é verdade. Quando o poder está sendo exercido por pessoas despreparadas para tal, o que ocorre é um verdadeiro desastre! Uma visão míope, nesse caso, leva a dividirem o mundo de forma maniqueísta. Põem de um lado os amigos, do outro, os inimigos. Para os primeiros, distribuem os favores, para os segundos os rigores. Lamentavelmente, isso acontece, com mais frequência que gostaríamos. Ainda não aprendemos a conferir poder às pessoas certas. Esquecemos da palavra de Jesus: "Um cego, não pode guiar outro cego. Ambos acabarão caindo no mesmo buraco". Pensando nisso, já comprei uma bengala. Estou com muito medo de rechear um deles, a qualquer momento.

No Evangelho já citado, Jesus aproveitou a ocasião para dar uma lição em sua turma: “Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro seja o escravo de todos. Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos”. Como se pode ver, poder para Jesus é servir. Quem tem maior poder tem maior obrigação de servir. Infelizmente, muitos não entendem assim e se servem do poder para proveito próprio. É uma pena!

Imagem de Hans por Pixabay