Conversa com Nossa Senhora das Dores

 

Hoje, como sempre faço, fui rezar, bem cedinho, na igreja. Gosto de rezar diante do sacrário ou do crucifixo, mas, hoje fiz diferente. Ao lado do altar, enfeitada para a procissão, estava a imagem de Maria: Nossa Senhora das Dores. Pedi licença a Jesus, pois, queria falar com sua mãe. Olhando para a imagem conversei com a Maria e fiz-lhe algumas perguntas. No silêncio do meu coração, pude ouvir o seu desabafo. Vou dividir tudo isso, com você, nesse texto:

- Mãe das Dores, para qual horizonte a Senhora dirige, o seu olhar nesse momento?

- Porque aperta tanto uma mão contra a outra?

- E essa veste roxa, porque a ostenta?

-  O que lhe fizeram para roubar sua alegria?

- Porque está desacompanhada de seu marido e de seu único filho?

- Meu filho...

– Ouço dela, em voz baixa, quase um sussurro de dor.

- Meu filhinho amado... Foi retirado de mim! Na verdade, retiraram de mim tudo o que possuía, tiraram-me o chão... Depois de um silêncio prolongado, entrecortado de soluços, continuou seu triste relato:

- Agarraram meu filho como se ele fosse um malfeitor e agora eu olho para o horizonte e pergunto: de onde virá meu socorro (Sl 120)? 

- Como dói esse vazio dentro de mim! Arrancaram minhas entranhas sem dó nem piedade. Levaram de mim aquele que perfumava minhas manhãs e embelezava o meu dia. Melhor fariam se tivessem me matado, pois tiraram minha vida e me deixaram respirando... Hoje, em cada suspiro sinto um punhal e cada minuto que passa parece uma eternidade!

Eu sei e sempre soube que Ele era Filho de Deus, mas nunca imaginei que seria tão difícil dar esse sim. Agora, o vejo caminhar para a morte sem poder impedir. Se, pelo menos, José estivesse aqui, poderíamos compartilhar essa dor... Mas, ele também já se foi e hoje estou sozinha. Lembro-me, com saudade, do dia em que fugimos para o Egito. José teve o cuidado de colocar na bolsa o pião de madeira para o menino brincar e isso o distraia naquela terra estranha.  Lembro-me de sua fisionomia tensa no dia em que o velho Simeão nos alertou com relação ao futuro do menino. Naquele dia, fiquei meio confusa, mas José me consolou. Só agora, posso entender o peso daquelas palavras! No dia em que perdemos o menino, na romaria, para encontrá-lo no Templo, nem me fale! Não suportei o peso daquela perda. E hoje, quem diria... Todas as angústias que passei na infância de Jesus nem se compara as que sofro agora. Tive que ver o meu filho ser açoitado por homens raivosos; tive que vê-lo carregando um pesado tronco de madeira. Nem sei como suportei ouvir a sentença de morte contra ele! Ainda bem que Verônica, minha amiga, conseguiu driblar a fúria dos soldados e enxugar o seu rosto machucado, pois nem isso consegui fazer.

Confesso a você, meu filho, que nenhuma mãe, sofreu mais do que eu, no alto do calvário, pois vi morrer aquele a quem dei a vida e aquele que deu vida a muitos... Como eu gostaria de ter morrido em lugar dele! Vi uma lança pontiaguda atravessar suas costelas e naquela hora senti uma grande pontada no meu coração. Como doeu!

Agora você me pergunta para qual direção volto o meu olhar e porque me contorço apertando uma mão contra a outra? A explicação não é difícil. Sou mãe! Uma mãe que teve seu filho tirado de forma brutal e violenta. Foi por isso, que a dor passou a ser o meu sobrenome.

Foto: Arquivo pessoal