Quero ser castigado
Ele era muito levado e, quase sempre, tirava as professoras do sério. Acabou se tornando uma espécie de líder do mau exemplo porque não da...

Ele era muito levado e, quase sempre, tirava as professoras
do sério. Acabou se tornando uma espécie de líder do mau exemplo porque não
dava opção à meninada: ou se ficava do lado dele ou apanhava. Nesse caso, não
havia neutralidade. Assim era o Jurandir. Aprontava muito e se safava ao final.
Conseguia tirar do sério não só as professoras mas até mesmo seus pais. Certa
vez, no auge do desespero Dona Terezinha, sua mãe, não teve outra alternativa
senão usar, contra ele, uma vara de marmelo. Jurandir rodopiava diante da mãe
enfurecida. Conseguiu negacear a maioria das varadas mas, acabou levando
algumas. Resistiu a tudo sem derramar uma única lágrima. O menino era mesmo
duro na queda!
Na escola Jurandir tirava todo mundo do sério. Não foram
poucas, as vezes, que teve que ficar de castigo. Lembro-me, de uma ocasião, em
que foi mandado à biblioteca como forma de castigo. Achei aquilo injusto, afinal,
ir à biblioteca sempre fora meu sonho de consumo. Tivesse ido trabalhar na horta
da escola ou varrer o pátio tudo bem, mas ir à biblioteca era premiação e não
castigo. Desejei, muitas vezes, receber aquele castigo mas, como sempre fui bom
aluno nunca fui merecedor.
O tempo passou e muita coisa mudou em minha vida, menos o
desejo de frequentar bibliotecas. Quando fiz minha casa essa foi a minha primeira
preocupação. Hoje, sou realizado nesse ponto e aplico o castigo do Jurandir a
mim mesmo, com muita frequência. Às vezes, brinco com os amigos: Se me derem
ração e água não precisam tirar-me da biblioteca...
Cada um destina uma área nobre da casa conforme seus sonhos e
interesses. Alguns capricham na sala de tv e transformam a própria casa num
verdadeiro cinema. Outros, gostam de valorizar mais a cozinha ou área gourmet.
Tem aqueles que valorizam o jardim ou a capelinha. No meu caso, escolho sempre
uma área para o livros. Quem tem amor aos livros nunca sente solidão. Eles nos
permitem viajar, conhecer lugares pessoas e situações interessantes. Como não
viajar na obra de Guimarães Rosa, por exemplo? Como não se apaixonar pela Bahia
lendo Jorge Amado? Em nossas casas, os livros deveriam estar expostos como
bananas nas feiras. Como as crianças irão gostar de ler se o pai ou a mãe nunca
compram um livro? É preciso facilitar as coisas, criar o gosto, incentivar pelo
exemplo...
Algumas pessoas dizem não comprar livros por causa do preço,
o que não justifica. Existem bons livros, atualmente, com preços módicos e
existem livros para todos os gostos. Às vezes, quem acha um livro caro não acha
caro comprar bebidas que poderão destruir a família. Se, de vez em quando, você comprar um livro,
aos poucos, irá formando uma biblioteca doméstica, o fará um grande bem aos
seus filhos e amigos. Talvez, isso não ocorra, com tanta frequência, porque
alguns viram o ato de ler, como um castigo, nos tempos da escola. Nesse ponto,
acho que a escola errou muito. Ninguém deveria se aproximar dos livros como
forma de punição. Quem foi punido dessa maneira, certamente, tomou raiva dos
livros e do ambiente da biblioteca. Não sei se isso ocorreu com Jurandir pois
faz muito tempo que não o vejo. Tomara que não. Quando me encontrar com ele vou
confessar o quanto cobicei para mim os castigos que ele levou na infância...
Imagem de Marcello Sokal por Pixabay
Eu também penso assim... Para mim, a biblioteca é o espaço nobre da escola. Quando criança, queixei dor de cabeça na sala de aula e me mandaram para a biblioteca. Rsrsrsr nunca tive tanta dor de cabeça! Até que desconfiaram que o "sapo foi jogado na água". Hoje tenho uma pequena biblioteca em casa. Sim, os livros são riquezas!
ResponderExcluirVerdade! Esse castigo de mandar para a biblioteca parece-me, que foi copiado por "professoras" de muitos Estados. O pior foi, quando inventaram de mandar os indisciplinados e os que chegavam atrasados, para a Capela. Depois de atritos, com discussões acabou bem. Esses dois nobres ambientes passaram a ser respeitados.
ResponderExcluirBoa tarde, como os castigos eram respeitados em! Os custosos eram repreendidos e selecionados para fazerem leituras ou apresentações, se sentiam intimidados pois gostavam de se mostrarem mas longe dos olhares dos responsáveis, sem saberem que estes castigos eram na verdade em parte uma solução para a maioria dos envolvidos um bom desempenho pois assim aprendiam a ler e tomar gosto pelas leituras, diferente de hoje que esquecem os livros e a escrita. Pois uma boa leitura automaticamente ensina o bom português. Como sinto saudades do tempo em que buscava livros em uma biblioteca.
ResponderExcluirAinda hoje existem muitos Jurandir kkkk
ResponderExcluirConheço muitos kkkkk
Texto muito bom de ler e reler, obrigada
ResponderExcluirVerdade, lembro da minha época de escola um Jurandir. Quando eu pegava algum livro na biblioteca e não gostava da história, esquecia de devolver, e ia procurar outro a Dona Lúcia me lembrava que eu estava com livro emprestado e precisaria devolver antes de pegar outro. Me fez lembrar muitas coisas esse texto.
ResponderExcluirFico imaginando se você tivesse sido castigado igual ao Jurandir, não caberia mais na biblioteca da escola, um devorador de livros e mais livros. Quem perdeu foi o Jurandir e quem ganhou fomos nós que tem o senhor como uma biblioteca ambulante e nós nutre com tanta sabedoria.
ResponderExcluirPADRE eu também acho um privilégio receber o castigo de ter que ficar dentro de uma biblioteca.
ResponderExcluirAcredio que o Senhor tem realmente um bom planejamento de horários para leitura, o que é meu sonho de consumo, já que o prazer da leitura é muito adiado pelas distrações e ocupações.
Meus votos é que continue disciplinadamente compartilhando suas leituras e escritas como esta crônica conosco, mas que não seja um castigo para o Senhor, porque é sempre prazeroso a leitura.