Bob
Chegou um dia em minha casa como quem chega do nada. Na carinha triste parecia trazer más lembranças da rua: sinais de maus tratos, brig...
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Chegou um dia em minha casa como quem chega do nada. Na
carinha triste parecia trazer más lembranças da rua: sinais de maus tratos,
brigas e expressão de medo. Nossa aproximação aconteceu aos poucos. Primeiro
dei-lhe algo para comer. Com muito custo ele aproximou-se da comida e
permaneceu com um olho no potinho e outro em mim. Ao menor sinal de ameaça saia
correndo com o rabinho entre as pernas. Pois é. Estou falando dele mesmo. O
cãozinho que mais tarde foi chamado de Bob.
Bob, provavelmente, foi o segundo ou terceiro
nome daquele cãozinho idoso e, talvez por isso, abandonado na rua. Sentindo mais confiante, com o tempo, acabou
atendendo por esse novo nome. Abri-lhe as portas e o coração. Passei a cuidar
dele. Fomos criados para isso: cuidar uns dos outros. Bob passou a ser a
atração da rua. Cachorro sem raça, sem eira nem beira, mas, com casa nova,
dono, ração, água e tudo. Não é só disso que um cachorro precisa? – Parece que
não, pois de vez em quando, Bob sumia de novo e só mais tarde reaparecia cheio
de carrapicho e com cheiro ruim de carne pobre. Apesar de ter tudo em sua nova
morada parece que sentia falta do esgoto de onde viera... Tai uma estória para
fazer a gente pensar. Será que conosco não acontece algo parecido? Quantos
maridos destroem um sólido casamento porque acabou se lambuzando na rua? Temos um estranho gosto pelo erro. Ao que
parece, isso nos acompanha desde a criação. Lembra-se do primeiro pecado
narrado pela Bíblia? Deus criou o homem e o colocou num jardim com belezas sem
igual. No jardim podia comer de tudo e se divertir à vontade. Não bastou. Sua
tentação foi de tocar no fruto da única árvore proibida...
Deus teria sido covarde se tivesse permitido ao homem comer
de uma única árvore no jardim. Mas, não. Ele podia comer o fruto de todas as
árvores menos uma. Foi, exatamente, nela que ele foi se lambuzar. Deu no que
deu. Deus tirou-lhe as regalias. E aí a gente pensa: Bem feito! Mas, acho que
Deus não pensou assim. Deve ter ficado triste com a desobediência humana. O
homem preferiu ouvir a voz da serpente à sua voz amorosa...
Temos uma atração para o erro e o pecado. O “filho pródigo”
não morreu em nós. De vez em quando, viramos às costas para Deus apenas para
rolar na carniça; deixamos um banquete em casa para buscar sanduíche na rua... Por isso, procurei compreender os “vícios” de
Bob. Mas, não deixava de me entristecer sabendo que ele foi acolhido com
regalias e, facilmente, deixava tudo para revisitar seu passado sombrio...
Bob hoje é falecido. Ficou apenas na lembrança. Morreu de
forma triste por uma doença que trouxe da rua. A ele não bastou meu carinho e
atenção. Apesar da curta convivência que tivemos ensinou-me algumas coisas. Não
basta amar a Deus. É preciso esforço para libertar-me do pecado que me escraviza
e me arrasta para a morte...