Ferida que Cura

 Ninguém gosta de passar pela experiência do sofrimento. Aliás, nem seria normal gostar de sofrer. Apesar de não gostar do sofrimento não podemos negá-lo. Talvez, ele seja a experiência mais universal do ser humano. Quem já não sofreu um pouquinho na vida? A gente sofre por doenças, por amor, perdas e separações… Sofre pelo que se é e pelo que ainda não se é. Nossa condição não é de plenitude e sim de carência. Temos inúmeras carências algumas nunca preenchidas! Nascemos com a boca aberta reivindicando pelo alimento no peito da mãe e às vezes morremos chorando pela falta de colo… 

Deus quis ser, em tudo igual à nós, com exceção do pecado. Nasceu de uma mulher, sofreu como a gente e morreu em completo abandono, no sacrifício da Cruz. Esse, sem dúvida é um grande mistério. É fácil entender um Deus poderoso e onipotente. Caso contrário, nem seria um Deus. Difícil é entender um Deus que se aniquila e, vazio de si mesmo, suplica pelo nosso amor. Passando pela experiência da Cruz, Jesus santifica e dá sentido ao sofrimento humano. 

São Paulo dizia: Completo na minha carne o que faltou à paixão de Cristo. Sofrer sem Cristo é uma coisa, sofrer com Ele é outra coisa. Com Cristo o meu sofrimento pode adquirir um colorido de redenção. Nesse caso, posso até mesmo agradecer pelo sofrimento. Ele tem o poder de curar-me das minhas vaidades e bobagens. Diante da experiência do sofrimento algumas perguntas são inevitáveis: - Será que Deus quer isso de mim? Porque eu? O que fiz ou deixei de fazer para merecer isso? Não é fácil responder a todos esses questionamentos. Mas, vou valer-me de uma imagem do Profeta Amós para ajudar na reflexão. 

Amós viveu no oitavo século antes de Cristo. Trabalhava com a terra e o gado. Era cultivador de sicômoro, uma espécie de figueira comum em Israel. O sicômoro é um tipo de figo que serve para alimentação. Mas para que isso aconteça o fruto deve ser ferido quando verde. Assim libera gases e amadurece mais rápido evitando as moscas parasitas que o atacam. Os arranhões nesse caso, embora pareçam uma agressão ao fruto, na verdade são necessários para que ele chegue a ser apreciado com todas as suas qualidades. Apesar de não gostar dos arranhões às vezes eles nos ajudam. Quantas pessoas que se tornam melhores após a experiência de perdas ou desilusões amorosas. Conheço um caso, em que a pessoa nunca admitia sua calvície. Ficava irritada e incomodada com essa situação, absolutamente, normal. Mas isso tudo mudou após a experiência de ter sido desenganada pelo médico. Viu a morte de perto e a venceu com a graça de Deus. Agora tornou-se uma pessoa melhor e sem se importa mais com a ausência dos cabelos…. 

Certa vez, um cego ligou-me durante um programa de rádio e deu o seu testemunho ao vivo. Agradecia a Deus pela cegueira pois ela o permitiu ver o que antes não via como a beleza de sua família a as qualidades de sua esposa. Taí. O sicômoro foi arranhado para produzir doçuras… Às vezes, penso que Deus poda a roseira para que ela não morra e produza flores ainda mais belas. Por isso, antes de reclamar de um sofrimento devemos refletir primeiro e tirar dele as lições que só ele pode nos oferecer. Já que não é possível evitá-lo que, pelo menos, possamos tirar dele algum proveito! 

Amós teve uma fala dura contra os excessos do seu tempo. Foi incompreendido e perseguido. Mas como bom cultivador de sicômoro sabia o que estava fazendo. Queria arranhar as vaidades para provocar o crescimento das pessoas que o ouviam. A fala do profeta visava a correção do seu povo ainda que isso custasse umas chineladas. Queria colocar a coisa no eixo. Colocar no eixo era sintonizar a sociedade de seu tempo com o projeto original de Deus para o seu povo. Será que não estamos precisando de novos Amós para arranhar os sicômoros do nosso tempo?

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