Mi Unicórnio Azul

A primeira vez que ouvi a música, simplesmente, me apaixonei por ela. Música boa é assim mesmo. Captura, de início, os fios que entrelaça...


A primeira vez que ouvi a música, simplesmente, me apaixonei por ela. Música boa é assim mesmo. Captura, de início, os fios que entrelaçam nossos sentimentos e provoca na gente uma grande sensação de bem estar.  Temos fome natural de beleza. Beleza para se ver, para se tocar e para se ouvir. Gosto de explorar o sentido da audição. Já confessei, outras vezes, que sou amigo do rádio.  Mas, às vezes, desligo tudo ao meu entorno, rádio, relógios, telefone... só para perceber a multiplicidade dos sons que me cercam e as tonalidades dos mesmos. Parece que tudo é música: o vento, a gota d'água insistente a cair da torneira, um latido distante, um grilo seresteiro... Mas, voltemos à música. Ela se chama "Mi Unicórnio Azul". Silvio Rodriguez, cantor de Cuba e do mundo, gravou a tal música em 1982. Ela menciona um dos animais encantados mais presentes no imaginário medieval, o Unicórnio. O homem medieval dava pouca importância à fronteira que separava o  real do  imaginário.

Os padres da Igreja e os autores cristãos, da Alta Idade Média, descobriram a figura do Unicórnio no Physiologus (Tratado escrito em grego, entre os séculos II e IV,  em Alexandria por alguém do meio gnóstico, e imbuído de religiosidade simbólica – Compilação de lendas medievais de autoria incerta). Entre as figuras imaginárias mencionadas nesse escrito encontramos a do Unicórnio:

“ O Unicórnio é pequeno e muito selvagem. Ele possui um chifre na cabeça. Nenhum caçador consegue pegá-lo a não ser por uma astúcia. Uma virgem o atrai onde ela mora. Quando a vê, o unicórnio pula em seu colo. Ele então é preso e conduzido ao palácio do rei”.

As narrativas sobre esse animal ressaltavam sua enorme beleza e poder. O poder, naquele tempo, era representado pelo chifre. Os padres da Igreja não perderam tempo.  Associaram essa figura ao próprio Cristo que nasceu de uma virgem e acabou sendo condenado à morte pelos seus inimigos. Acho bonita essa comparação, pois Cristo, apesar de toda a majestade que usufruía junto do Pai, foi atraído ao seio da Virgem Maria e veio habitar entre nós, que somos cheios de fraquezas...

Na voz de Silvio Rodriguez, Mi Unicórnio Azul, nada mais é do que um poema cantado. A interpretação do que seja o unicórnio é livre. Pode ser um amor perdido, a perda de uma pessoa querida, ou até mesmo de um animal de estimação. Na vida de todos nós, acontecem perdas inexplicáveis. É uma pessoa que se vai, um amigo, a esposa ou um  filho... Depois da partida só nos restam a saudade e o silêncio. Quem de nós já não perdeu um Unicórnio? Eu mesmo já perdi tantos, que fica difícil enumerar...

O poeta cantor me lembra a personagem do “Cântico dos Cânticos”, que sai pelos campos à procura do seu divino amado. Sem esse amor, iremos cantar para sempre nossos lamentos assim como a “Sururina chora, à tarde, sua viuvez...”

Abaixo a letra traduzida para a Língua Portuguesa

Meu Unicórnio Azul

Meu Unicórnio azul,
aquele que era meu
Pastando eu o deixei
e desapareceu.

Qualquer informação,
decerto eu vou pagar
As flores que deixou
não me querem falar.

Meu Unicórnio azul,
ontem desapareceu
Não sei se me deixou,
nem sei se se perdeu

Mas eu não tenho mais
que um Unicórnio azul
E se alguém souber dele,
que de uma informação

Cem mil ou um milhão
eu pagarei
Meu Unicórnio azul
Ontem desapareceu

O Adeus

Meu Unicórnio e eu,
fizemos amizade
Um pouco com Amor,
um pouco com Verdade.

Com o seu chifre de anil,
pescava uma canção
Sabê-la repartir
tinha por vocação.

Meu Unicórnio azul,
perdi o rastro seu
E pode parecer
até um "fado" meu.

Mas eu não tenho
mais que um Unicórnio azul,
Mesmo que fossem dois,
eu só queria aquele.

Cem mil ou um milhão eu
pagarei.
Meu Unicórnio azul

Ontem desapareceu... Adeus...

Imagem de M. Maggs por Pixabay 

Veja também o vídeo: 


O texto poético da música nos oferece diversas possibilidades de interpretá-lo. Às vezes, me ponho a pensar o que seria esse "Unicórnio Azul"? Seria uma espécie de inspiração valiosa que o autor perdeu e hoje daria cem mil ou um milhão para encontrá-la? Não sei. A poesia nos permite viajar... Então, boa viagem!

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