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De acordo com Jostein Gaarder e outros autores de “ O Livro das Religiões”, as experiências místicas, independentemente, das diferentes religiões, tem as seguintes características:
- O místico sente uma unidade em todas as coisas. Há apenas um Deus que permeia tudo. De alguma forma ele se junta a Deus, assim como a gota de chuva se junta ao oceano:
Tu és o mar e eu nado em Ti, como um peixe;
Tu és o deserto que eu percorro, como uma gazela.
Preenche-me com o teu respiro.
Sem ele não posso viver, porque eu sou o teu oboé. E ecôo...
Quando estás comigo, o amor não me deixa dormir.
Quando não estás, as lágrimas não me deixam dormir.
(Eu nado em Ti – Poema de Rumi)
No amor místico, há uma indistinção até mesmo entre pessoas diferentes. Cito, abaixo, um poema de Rumi, onde ele fala de um encontro com seu mestre espiritual Shams de Tabriz. O poema chama-se “Tu e eu”:
Sentados no palácio duas figuras,
São dois seres, uma alma, tu e eu.
Um canto radioso move os pássaros
Quando entramos no jardim, tu e eu!
Os astros já não dançam, e contemplam
a lua que formamos, tu e eu!
Enlaçados no amor, sem tu nem eu,
Livres de palavras vãs, tu e eu!
Bebem as aves do céu a água doce
De nosso amor, e rimos tu e eu!
Estranha maravilha estarmos juntos:
Estou no Iraque e estás no khorasan(uma região da Pérsia, atual Irã)
(Livro: Sede de Deus)
- Embora o místico venha se preparando, há muito tempo, o seu encontro com Deus, ou com o espírito universal, sente-se passivo quando isso acontece. É como se ele fosse tomado por uma força externa. Para ilustrar essa característica da mística, cito o romance “Laila e Majnun”, de Nizami, um dos poetas místicos da antiga Pérsia. Trata-se de uma clássica história de amor da literatura persa, onde se aborda o encontro entre os dois amantes:
Quanto mais se aproximavam do lugar em que Laila estava esperando, mais Majnun tremia de prazer e desejo. Ele esporeava com impaciência a montaria, para que andasse mais rápida.
Tinha a sensação de que a fonte da água pura da vida tentava-o do horizonte. Era como se o perfume de sua amada flutuasse com o vento sob suas narinas, a incitá-lo. Era como se morresse de sede enquanto vislumbrava o próprio rio Tigre ao longo, e como se este sempre retrocedesse à sua aproximação (...).
Majnun e seu guia finalmente alcançaram o bosque de palmeiras onde os animais ficariam acampados e esperariam o retorno do mestre. Assim que o crepúsculo caiu, Majnun entrou no jardim e sentou-se sob uma palmeira para esperar, enquanto o velho partia para fazer o sinal combinado à Laila.
Laila, sozinha em sua tenda, viu a aproximação do velho e, cobrindo-se com o véu, saiu apressadamente para encontra-lo. Seu coração estava dividido entre medo, dúvida e esperança: ela havia esperado tanto, derramado tantas lágrimas – sabia exatamente o que arriscava ao encontrar-se com Majnun desse jeito, mas tinha de vê-lo! Protegida por seu véu e pelo crepúsculo que caía, Laila acenou para o velho e voou pelo jardim.
Ela viu Majnun, imediatamente, mas parou antes de alcançar a palmeira sob a qual ele estava sentado. O corpo inteiro de Laila tremia, e parecia que ela estava profundamente enferma. Não mais que vinte passos separavam-na de seu amado, mas era como se um feiticeiro tivesse delineado um círculo mágico no chão cujo limite ela não deveria ultrapassar.
O velho, que a alcançara, tomou-a pelo braço para conduzi-la. Mas ela disse cortesmente: ´Nobre senhor, nem tão longe, mas nem tão perto. Agora sou igual a uma vela ardente; um passo mais perto do fogo e eu serei consumida completamente.
A proximidade traz o desastre, pois os amantes só estão seguros separados`.
Fonte: http://fteixeira-dialogos.blogspot.com.br/2016/07/rumi-e-flama-do-coracao.html
O místico vive uma eterna busca. É atraído pela luz de Deus como a mariposa pela lâmpada. Em seu poema “ O Bem-amado é como a vela”, Rumi descreve esse sentimento:
A razão é como uma mariposa
E o Bem-Amado é como a vela.
Quando a mariposa lança-se contra a chama,
É queimada e destruída.
Mas, a mariposa,
Mesmo queimada e torturada,
Não consegue afastar-se da chama.
Se há um ser vivo, como a mariposa,
Que se apaixona pela chama da vela,
E se lança contra ela,
Também é uma mariposa.
Se a mariposa se lança contra a chama da vela as não se queima,
A vela não é uma vela.
Assim, o homem que não se apaixona por Deus
E não faz esforços para chegar até Ele,
Não é um homem. Se pudesse apreendê-lo, esse ser não seria Deus.
Atraído por Deus, São João da Cruz afirmava em um de seus cantos: Se vires o meu amado diga que por ele adoeço, peno e morro...
Onde é que te escondeste,
Amado, e me deixaste com gemido?
Como um cervo fugiste,
Havendo-me ferido;
Saí, por ti clamando, e eras já ido.
Pastores que subirdes
Além, pelas malhadas, ao Outeiro,
Se, porventura, virdes
Aquele a quem mais quero,
Dizei-lhe que adoeço, peno, e morro.
(Canção I e II – São João da Cruz)
A experiência mística também se caracteriza pela intemporalidade. O místico se sente arrancado para fora de sua existência normal. Seu êxtase, no entanto, é transitório. Apesar disso, e esse êxtase que o alimenta depois. Sua compreensão do mistério é inenarrável. Ao tentar expressar essa experiência usa paradoxos, como por exemplo: escuridão ofuscante, abundância e vazio... Ao tentar expressar o que não pode ser expresso por palavras o místico nem sempre é entendido. Alguns chegaram a sofrer porque disseram coisas do tipo: Eu e Deus somos um... É bom lembrar que Jesus também disse isso: Eu e o Pai, somos um... Um desses místicos que acabou sendo crucificado com uma coroa de espinhos na cabeça, à semelhança de Jesus foi Al Hallaj.
O místico em sua experiência de Deus se extrapola. Ele vê o que o homem comum não consegue ver. Ele age de forma incomum porque foi tocado pelo transcendente. Isso aconteceu com São Francisco de Assis, São João da Cruz, Tereza de Ávila e muitos outros. Ainda que sofram as incompreensões de seu tempo, o místico acaba sendo uma grande referência para a religião e para o mundo. Que eles sejam sempre bem vindos!
Notas:
1- Al Hallaj nasceu no Irã em 857, tendo sido neto de um devoto do grande Mestre Zoroastro. Dizem as velhas tradições do mundo árabe que Al Hallaj foi crucificado depois da flagelação e da mutilação. Sua prisão teve como principal argumento o "Anal Haque" (Eu sou a Verdade), que ele preferiu durante a meditação, e que rendeu-lhe a acusação de blasfêmia.
2- Jalal-al-Din Rûmî conhecido como Mawlana (nosso mestre) nasceu em 30 de setembro de 1207 em Balkh, atual Afeganistão. Morreu a 17 de dezembro de 1273 em Kônia, atual Turquia.
3- Shams-i-Tabrizi (1185-1248). Tabrizi foi um persa muçulmano sunita, conhecido como o mestre espiritual de Rumi, e é referenciado com grandes honras na obra intitulada Diwan-i Shams-i Tabrizi (Os trabalhos de Shams de Tabriz). A tradição afirma que Shams ensinou Rumi em reclusão em Konya por um período de quarenta dias, antes de fugir para Damasco. O túmulo de Shams-i Tabrizi foi, recentemente, tombado como um patrimônio mundial da UNESCO.
4- Nizami: Nizami, foi um místico poeta persa do Séc 12. Nasceu em Ganja, no Azerbaijão. É a segunda maior cidade do Azerbaijão, situada na parte noroeste do país. Rezam as crónicas que, no século 15, o túmulo de Nizami já era o destino de peregrinações maciças.
Muitos deixam flores sobre o túmulo do poeta que dominava áreas tão diversas como a matemática, a astrologia, a música ou a medicina. Uma fonte inesgotável de inspiração, como nos salienta uma professora durante visita escolar: "Nizami ensinou-nos muito através dos poemas. Alguns eram dedicados ao seu filho e transmitem a todas as crianças uma mensagem de amor. Amor pelo país, pela família. São palavras que apelam à sensatez e à inteligência. Aqueles que as ouvem devem ensinar aos outros o caminho de Nizami."Nizami é considerado como o maior dos poetas da literatura clássica persa. Há quem defenda que William Shakespeare se inspirou na sua obra lendária "Laila e Majnun" para escrever "Romeu e Julieta".
Sobre o Poeta Nizami, talvez o maior poeta da literatura persa, vejam o vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=dWP7lohf6L0
5- - Livro: Sede de Deus: Orações do Judaísmo, Cristianismo e Islã/ Faustino Teixeira, Volney Berkenbrock (org) Vozes- RJ – 2002.
..."Muitos deixam flores sobre o túmulo do poeta que dominava áreas tão diversas como a matemática, a astrologia, a música ou a medicina. Uma fonte inesgotável de inspiração, como nos salienta uma professora durante visita escolar: ".
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