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quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Vicente de Paulo: A morte de um santo

Com o passar dos anos e o excesso de trabalho São Vicente tornou-se bastante debilitado. Em seu rosto apareceram rugas profundas, que faziam parecer ainda mais longo o seu nariz e mais saliente as grossas sobrancelhas que possuía. Na capa dos livros de com a coleção de correspondência de São Vicente, organizadas por Pierre Coste, um Padre da Missão, vemos a reprodução de um quadro com a imagem do santo. Esse quadro pertenceu à Rainha Ana d’Áustria, depois ao Edifício dos Inválidos e pertence hoje à Casa-Mãe dos Padres da Missão, 95, Rua de Sèveres, Paris. Este quadro foi feito, no dizer dos peritos, no tempo de São Vicente, por um pintor que tinha o Santo sob os olhos (1). Segundo consta esse quadro foi pintado quando São Vicente estava ao final da vida. Então podemos ver os detalhes de seu rosto.

Beirando os oitenta anos de idade, São Vicente padecia  de enxaquecas, “febríola cotidiana”(2) e respiração curta. A falta de regularidade na circulação sanguínea pode ter sido também a causa de uma profunda dor nas pernas que, abriam-se em feridas ao menor esforço que fazia. Apesar disso ele não reclamava de nada. Apenas dizia: - “ Meu Senhor, meu Bom Jesus!”.

Mesmo com muitas dores Vicente não perdia o humor quando alguém aparecia para ajudá-lo a caminhar: “Aqui me tem feito grande senhor, igual aos bispos...” A falta de circulação sanguínea nas pernas pode ter sido herança do cativeiro. Sobre esse tempo ele quase nada dizia. Seria por medo da inquisição. Ao que parece ele tomou lições de alquimia no cativeiro. Isso poderia ser perigoso para a “censura” daquele tempo.

Em Janeiro de 1660 o mal se agravou de repente. “Já não posso descer as escadas, pelas dores nas pernas”, dizia em uma de suas cartas. Mesmo perdendo o movimento das pernas continuava firme no trabalho. Procurava colocar em dia todas as correspondências. Seu corpo estava debilitado, mas seu espírito continuava mais vivo do que nunca. Por isso, tratava de cuidar de tudo e quando não podia escrever ditava suas cartas para que outro escrevesse. Estima-se que ao longo de sua vida tenha escrito mais de 30 mil cartas! Muitas dessas se perderam, sobretudo na época da Revolução Francesa. Mas, ainda são conhecidas cerca de 3 mil cartas suas. Somente para Luísa de Marillac ele escreveu 400 cartas (3).

Com quase 80 anos ele ainda era Superior da Casa São Lázaro, Superior das Irmãs de Caridade, continuava com as Conferências de terças-feiras, recebia e aconselhava desde reis e rainhas às pessoas mais simples que o procurava. Costumava levantar-se às quatro da manhã, arrumava a própria cama e meia hora depois já estava na capela para as orações. Depois das orações celebrava a Santa Missa. Naquele tempo, somente às dez  e meia tomava-se a primeira refeição. Mas, por recomendação dos médicos São Vicente tomava um caldo de chicória amarga com um pouco de cevada, sem gordura nem manteiga (4). Ainda antes do almoço saia, com dificuldades, para visitar suas obras. Na hora do almoço sempre trazia uns dois pobres para almoçar com eles. Após o almoço havia um curto intervalo chamado “recreio”.  À tarde, depois das orações, retomava suas cartas e, quando o tempo permitia visitava as obras de caridade. Ao final da tarde rezava as orações próprias da comunidade. Na Casa São Lázaro todos se recolhiam às 21h, menos o superior. Vicente retomava suas correspondências e depois de novas orações e penitências que ele se impunha, deitava-se por volta de 23 horas ou meia noite. Seu tempo era todo dividido entre o céu e a terra. Esse ritmo de vida ele manteve até quase a morte.

Em 15 de março de 1660, morreu Santa Luísa de Marillac, sua principal colaboradora.  Por causa da saúde muito abalada São Vicente não pode comparecer ao velório. Isso o deixou muito triste embora ele soubesse que, brevemente, também iria ser chamado à vida eterna. Foi o que aconteceu na madrugada de uma segunda-feira, do dia 27 de setembro de 1660. Ele contava com 79 anos de idade, sete meses e três dias. Faleceu o pai dos pobres, sentado numa poltrona vestido com sua batina com extraordinária serenidade (5). Seu velório contou com numerosa multidão pois o povo já o tinha como santo em vida. Após a morte todos queriam algo dele como relíquia. Como era hábito naquele tempo, seu coração foi extraído do peito e colocado em um relicário de prata, em forma de coração, oferecido pela duquesa d’Aquillon. Seu corpo desceu à  sepultura, mas ninguém ali ignorava que mais tarde ele seria exumado, pois tinham certeza de que seria  oficialmente considerado santo.

Em 19 de fevereiro de 1712 o túmulo de São Vicente foi aberto conforme exigências do processo de beatificação e canonização. Uma das testemunhas que ali estava ( Padre Dusaray) contou o seguinte:

“Aberto o caixão de Pe. Vicente foram encontradas intactas a batina e as meias. Somente os olhos e o nariz tinham desaparecido.  Contei 18 dentes: nove de cima e outro tantos em baixo. Como não se quisesse tirá-lo do caixão, com receio de que os ossos se deslocassem, e não se quisessem abrir a batina, não se pode saber logo se todas as partes do corpo estava ainda em carne e osso. Levantou-se apenas a pele do peito, que tinha sido aberto para se retirar o coração e as entranhas. Os que estava mais perto do que eu asseguraram ter visto o fígado inteiramente avermelhado. Eu levantei o braço e mão direita e notei que estavam em carne e osso, mas dissecados, e com as unhas. É bem certo que os vermes não  penetraram no caixão, porque a batina parecia úmida e oleosa, sem nenhum odor e tão conservada como no dia em que foi posta no caixão...(6)”

O corpo  reconstituído de São Vicente continua sendo contemplado na Capela da Casa-Mãe, em Paris. A Igreja o beatificou São Vicente, em 1729 e oito anos depois ele foi canonizado pelo Papa Clemente XII.

1-Observação sobre o quadro com a imagem de São Vicente – Extraída do Tomo I, da Coleção de Correspondência de São Vicente – Edição publicada e anotada por Pierre Coste, Padre da Missão. Belo Horizonte, O Lutador, 2012.

2-“Febriola cotidiana” – Seria o paludismo (Malária)  trazido do cativeiro? Alguns pensam que ele teria contraído essa doença no cativeiro em Túnis, na África.

3-Ver nota de rodapé, PP 27 , de Obras Completas, Tomo I – Belo Horizonte. O Lutador, 2012

4-Cf: - Castro, Jerônimo P. São Vicente de Paulo e a Magnificência de Suas Obras, RJ, Petrópolis, 1957 – PP 383.

5------ Idem. pp 374
6------Ibidem, PP 403.

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