Ultimamente, está meio fora de
moda, falar de história ou começar uma crônica citando fatos históricos. Muitos
cursos de graduação nessa área fecharam-se. As aulas de história, no ensino
fundamental e médio, acabam sendo ministradas, atualmente, por quem não tem
formação específica. Talvez, seja proposital esse apagão da memória. A memória
de um povo pode se tornar perigosa para alguns grupos. Por isso, fazem questão
de apagá-la. Alguns, em nossos dias, chegam a negar que tivemos uma ditadura
militar no Brasil, por exemplo. Os termos são trocados como parte de uma
narrativa que visa reconstruir conceitos. “Intervenção” soa mais ameno que
ditadura. Por isso andam dizendo que o que tivemos, na verdade, foi uma leve
intervenção militar... Um povo sem memória é facilmente dominado e manipulado. A
grande mídia se encarrega de criar uma narrativa que atenda aos interesses da
corte. A massa absorve tal narrativa e a reproduz de forma acrítica. Mas,
não é sobre a manipulação de verdades históricas que eu gostaria de falar nesse
texto. Pretendo falar sobre Nossa Senhora de Guadalupe, mas considerando o
tempo de tal “fenômeno”, ou seja, 1519.
A história de Guadalupe teve
início com a chegada das forças espanholas no México no ano de 1519. Tais
forças foram comandadas por Hernando Cortés. E o que os espanhóis encontraram
no México naquele tempo? Bom, encontraram um país com aproximadamente dez
milhões de habitantes cuja população encontrava-se distribuída em 38
províncias. Havia cidade (Tenochtitlan, que se tornou a Cidade do México) com
300 mil habitantes. O país já tinha
exército, sistema de impostos e intercambio comercial. Entre seus habitantes
havia pensadores, artesãos, astrônomos, arquitetos, artistas... A educação
começava cedo para as crianças, embora a leitura escrita estivesse limitada por
um sistema pictórico semelhante à escrita egípcia. Em alguns campos do
conhecimento estavam atrasados, mas em outros, muito avançados. A sociedade
asteca era dividida em castas que ia do imperador aos nobres mais importantes,
passando pelos sacerdotes e juízes. Em seguida os nobres menos importantes que
serviam como administradores. Abaixo desses havia uma espécie de classe média
composta pela maioria da população, seguida dos trabalhadores braçais e
escravos.
A base da economia, naquele
tempo, era garantida pela agricultura, sobretudo do milho e do cacto ( el
manguey), considerados presentes dos deuses. Do Manguey retiravam uma bebida
tipo cerveja. De suas fibras faziam cordas e tecidos. Dos espinhos faziam
agulhas.
A civilização mexicana constava
de duas situações. Havia um lado muito desenvolvido e um lado obscuro,
sustentado pela religião envolvida em supertições. Entre os deuses mais
populares encontramos: Quetzalcoatl (serpente emplumada), Huitzilopochtli (deus
da guerra), Tonantzin (deusa mãe), Xochipilli ( deus da alegria/prazer).
Quetzalcoatl era o deus mais
importante. A ele se dedicava a cada ano, um grande número de sacrifícios. Huitzilopochtli era o deus da guerra. Para
ele foi construído um grande templo na aldeia de Tlatelolco, próximo a
Tenochtitlan. Na inauguração desse templo, em 1487, foram oferecidos em
sacrifício aproximadamente 20 mil guerreiros! Bem diferente do Deus dos
Cristãos, cujo sangue foi derramado na cruz para salvar a todos, o culto a essa
divindade exigia que o sangue humano fosse derramado. E haja sangue!
A deusa mãe, Tonantzin, possuía
um templo no alto da Colina de Tepeyac ( a mesma colina onde a virgem apareceu
ao índio Juan Diego). Era a deusa da fertilidade e da agricultura. Era guardiã
da terra e de tudo o que existe. Xochipilli o deus da alegria e do prazer tinha
o corpo pintado por flores e borboletas. A ele também se oferecia o sangue
humano como sacrifício.
O encontro da cultura espanhola
com a asteca não foi tranquilo. Muito sangue correu em batalhas sangrentas. Em
1519 Cortés conheceu Monctezuma, numa pomposa cerimônia organizada por esse
último. A desconfiança reinava dos dois lados. Cortés apressou o conflito
quando prendeu Monctezuma. Diante da superioridade das armas dos espanhóis eles
acabaram submetendo os astecas. Uma das primeiras medidas de Cortés foi a demolição
dos templos astecas substituindo-os por templos católicos. Os missionários
espanhóis percorreram o território abrindo templos, escolas e hospitais. Apesar
de todo esse esforço a cultura asteca teimava em continuar viva.
Para conter os abusos dos conquistadores,
Carlos V, Imperador da Espanha, nomeou o Bispo Dom Zumárraga para o México
outorgando-lhe grandes poderes. Zumáraga criou escolas, modernizou as técnicas
de agricultura, fundou a primeira universidade no país. Sua maior preocupação
era com o bem estar dos mexicanos. Ele foi o bispo que ouviu o relato de Juan
Diego sobre a aparição da Virgem de Guadalupe. Por defender os indígenas
Zumárraga e seus missionários sofreram muitas perseguições, inclusive por Nuno
Gusmão, um tirano sem limites. Os direitos dos indígenas só foram assegurados
com a criação do Conselho das Índias, em Sevilha em 1542, por Carlos V.
Em 1525, um pobre camponês e sua
esposa, do povoado de Cuautitlán, a uns 25 km a noroeste da Cidade do México,
foram batizados na Igreja católica. Ele tomou o nome de Juan Diego e sua esposa
o de Maria Lúcia. Juan nasceu em 1474. Perdeu os pais muito cedo e foi criado
por um tio. Depois que se casou foi morar com a esposa numa casa de apenas um
quarto, coberta com folhas de milho. Fazia balaios, fabricava alguns móveis e
cultivava a terra para sobreviver. Com devoção procurava cultivar sua nova fé e
andava cerca de 25 km, com a esposa, para participar da missa em Tlatelolco.
Juan ficou viúvo em 1529, quando Maria Lúcia morreu repentinamente. Depois
disso ele foi morar com um tio. E a vida continuou na simplicidade de sempre.
Tudo mudou na vida de Juan Diego
após o dia 09 de dezembro de 1531. O fator dessa mudança foi seu encontro com a
Virgem de Guadalupe. Mas, isso é assunto para outro texto...
Fonte consultada:
Johnston, Francis, O Milagre de Guadalupe. Trad. José Machado Braga. Aparecida, SP: Ed Santuário, 2005
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