Não é preciso muito esforço para
encontrar em minha memória a lembrança da folia de reis. Na época do Natal,
alguns grupos visitavam minha casa e trazia para nós um misto de contentamento
e medo. O medo era por causa da figura dos palhaços. Minha mãe escondia as
coisas para que os palhaços não pedissem. Não dava muito trabalho esconder
tudo. A gente não tinha nada mesmo...
Certa vez, um palhaço levou uma
panelinha de ferro, de nossa casa. Depois devolveu com uma ajuda dentro. Acho
que ele se condoeu de nossa situação. A gente ficava tentando adivinhar quem
seria o ator por trás da máscara do palhaço. Nesse tempo, a figura do natal era
meio apagada. Para nós não tinha presentes, presépios, missa da meia noite,
papai Noel, nada disso. Sobrava só a
folia de reis. Eu nunca sabia se os reis eram os palhaços e, se os palhaços
eram bons ou maus. Na dúvida, era melhor tomar cuidado. Meu pai não gostava. Às
vezes, implicava-se com o som das caixas... No encerramento da folia tinha
festa: Arroz, feijão, frango e macarrão com massa de tomate que a gente falava “mastumate”.
Aquilo era o céu! As mulheres se enfeitavam com saias de alpaca e os homens com
camisa de “Volta ao mundo”, um tecido muito apropriado, atualmente, para fazer
mosquiteiros...
Mas, de onde vieram as folias?
Antigamente, em Portugal, era uma
dança rápida, ao som do pandeiro ou do adufe ( um “pandeiro” quadrado),
acompanhada de cantos. Um grupo de homens carregando seus símbolos devocionais
acompanhava, com cantos, o ciclo do Divino Espírito Santo, festejando-lhe, nas vésperas e no dia votivo. Carregavam uma
bandeira enfeitada com fitas coloridas tendo o desenho de uma pomba ao centro,
representando o Espírito Santo. Em Portugal não se pedia nada nessas festas. No
Brasil elas assumiram um aspecto precatório visando ajudar aos mais pobres ou
na construção ou reforma de um cruzeiro
ou capela. A Folia do Divino Espírito Santo acontece por ocasião de sua festa.
Na época do Natal o que temos é a Folia de Reis. Enquanto a Folia do Divino, de
São José ou São Sebastião acontece durante o dia, o Folia de Reis costuma
acontecer a noite para lembrar a visita noturna dos Reis Magos ao Menino Jesus.
Quanto à figura dos palhaços
existem interpretações variadas. Em alguns lugares eles são associados à figura
de Satanás. Não podem encostar as mãos na bandeira nem tocar no presépio. De
acordo com essa interpretação, os palhaços foram infiltrados por Herodes na
comitiva dos magos como espiões. Queriam descobrir o local do nascimento do
Menino Jesus. Numa segunda variante da lenda eles eram soldados vestidos de
palhaços para não serem reconhecidos como tais. Mas, estavam ali, para proteger
a Sagrada Família. Numa terceira variante da lenda eles eram, de fato, soldados
de Herodes que foram inseridos como espiões na comitiva dos magos, mas acabaram
se convertendo e abandonando Herodes.
A Folia de Reis está ligada ao
tempo do Natal. São festejos que vieram
da Europa e visam reviver a viagem dos Magos, que saíram de suas regiões em
busca do Menino Jesus para presenteá-lo. A tradição é de origem ibérica e,
posteriormente, passou para a América Portuguesa. Com cantos, dança e teatro, juntam fé e cultura.
Em alguns lugares os Magos se
confundem com os palhaços e ganham nomes: Véio, Friagem e Bastião. De acordo com as lendas, Bastião era
o negro que foi deixado para trás por causa do preconceito dos dois reis
brancos. Mas, ele foi guiado pela estrela e chegou primeiro à Gruta de Belém.
Os outros dois demoraram muito. Ficaram velhos e um deles tomou muita friagem
no caminho. Bastião é o negro que sabe o segredo das coisas. Com essa narrativa
lendária, o negro acaba sendo inserido no mesmo espaço dos brancos.
A Folia de Reis nos permite
recriar um tempo místico. Na caravana dos Magos sempre cabe mais um. Com
danças, músicas e teatro, o povo atualiza e revive a sua fé. Com isso mostra
que o Menino Jesus pertence a todos. A religiosidade popular não é engessada
dentro de normas. Por isso incorpora com muita facilidade elementos da cultura
de um povo. O mito sobrevive nos ritos. O rito da folia não deixa morrer a
figura dos magos que, carinhosamente, chamamos de Santos Reis.
Fontes consultadas:
Cascudo, Luís da Câmara.
Dicionário do Folclore Brasileiro. 11ª edição. SP, Global, 2001
Gomes, Núbia Pereira de Magalhães
& Edmilson de Almeida Pereira. Negras Raízes Mineiras: Os Arturos. Belo
Hte. Mazza Ediçôes, 2000.
Imagem de Hans Braxmeier por Pixabay
Imagem de Hans Braxmeier por Pixabay
Obrigada por mais um ensinamento.Quando eu era criança escondia de medo...
ResponderExcluirMuito bonita a festa e muito significativo a história,era uma alegria receber a folia em.nossas casas para visitar o presépio, tinha q voltar esta visita aos presépios, sentimos honrados de receber a folia em nossa casa.Faz parte de nossa cultura e de nossa religiosidade.
ResponderExcluirMuita coisa de lembrança das folias. Bela explicação Padre Geraldo
ResponderExcluirObg padre Gabriel,irei passar pra frente,minha família são da folia de reis,oi pífano do bairro santos dumont
ResponderExcluirMuito interessante. Não sabia quase nada acerca desse folclore religioso.
ResponderExcluirQue festa linda,pessoas simples que louvam a vida do Deus menino ❤🙌
ResponderExcluirObrigado padre Gabriel por me fazer voltar no tempo. Na nossa casa na roça não tinha quase nada ver o presépio na casa do vizinho já era motivo de muita alegria.
ResponderExcluirMilton. Obrigado padre Geraldo Gabriel por me fazer voltar no tempo, que alegria! Nossa casinha na roça não tinha quase nada mas visitar o presépio na casa do vizinho já era motivo de muita alegria.
ResponderExcluirObrigado padre Geraldo Gabriel ė Milton. obrigado por me fazer voltar no tempo, na nossa casinha na roça não tinha quase nada mas só de visitar o presépio na casa do vizinho já era muito de muito alegria!
ResponderExcluirQue saudades daquele tempo......ainda me lembro do Zé Arcácio que se vestia de palhaço.....era tudo muito bonito.... más dava medo, obrigado padre pela bela recordação Deus o abençoe.
ResponderExcluirQ lindo... obg por nós ensinar tanto compartilhando com nos
ResponderExcluirPadre Geraldo muito linda a explicação, descobri mais coisas lindas sobre os Reis magos,qe ainda não conhecia
ResponderExcluirMuito bonita a história enquanto eu lia eu ia lembrado lentamente dos acontecidos .quando eu moravo na minha terra natal MALACACHETA MG. Minha MÃE dava o posso para os foliões. Era muito bom.
ResponderExcluirTudo isso acontecia de verdade.
Assim que eles chegavam nos tinha que sair da cama para eles descansar.
Tinha o café dá manhã.
Depois aquele almoço.
E o mais bonito era quando eles iam se retirar.
A despedida era muito emocionante com a bandeira.
Cinto muitas saudades.
Maravilhoso que lindo
ResponderExcluirConhecimento trás mais encantamento. A simplicidade dos participantes apresentando com espontaneidade é um dos motivos de agradar a todos.
ResponderExcluirParabéns Padre Gabriel pelo lindo texto,maravilho! Eu também tinha medo dos palhaços,corria pra casa e escondia da Folia de Reis! Hoje podemos perceber que era só na imaginação.Sao culturas,que vieram pra fazer homenagem a Jesus.Devemos agradece Los,e receber tudo com muito carinho. Feliz Ano Novo pro Senhor!Que Deus lhe abençoe,e que em 2022,a Saúde ,a paz e alegria esteja presente em sua vida! Obrigada por este trabalho lindo! Um grande abraço da amiga Maria Adelia
ResponderExcluirBoa noite Padre Geraldo Gabriel, sempre com histórias lindas, comoventes e informações muito importantes que a gente desconhece, Deus no Comando.
ResponderExcluirQue Deus seja louvado!
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