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segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Tosquia


O dia da tosquia chegou. E a vítima fui eu. Mas, não fui sozinho. Meu irmão, que me acompanhava em tudo, também passou, muitas vezes,  pelo mesmo ritual. Falando assim, parece brincadeira. Mas, a coisa era séria. Meu pai não dava moleza! Era dia de cortar o cabelo das crianças, no caso, os nossos cabelos. Eu ficava torcendo para que eu fosse  o primeiro a ser escolhido. Assim, poderia adiantar o próprio sacrifício e torcer para que o Zezé, esse é o nome de meu irmão, tivesse um sacrifício maior que o meu. Maldade pouca era bobagem!

A coisa acontecia antes do almoço, por volta das nove ou dez horas. Quando era na parte da tarde doía mais. Meu pai, “amolava” a gilete num copo de vidro com um pouco de sabão. Apertava a “ferramenta” com o dedo indicador fazendo a girar prá lá e pra cá, dentro do copo da “Nadir Figueiredo”.

Nunca soube se aquilo dava resultado, pois a gilete não cortava nada mesmo depois de amolada. Ela arrancava, literalmente, os cabelos da nuca da gente. A hora de “fazer o pé do cabelo” é que era de amargar. A “navalha” arrancava os tocos e também os soluços...

Meu pai colocava um tamborete debaixo do pé de manga, amarrava um plástico de saco de adubos nos nossos ombros e começava o ritual do corte. O modelo era um só: raspava bastante dos lados e deixava uma espécie de peruquinha na frente. Não importava o formato da cabeça. O corte era o mesmo. Zezé era mais cabeçudo que eu, em todos os sentidos da palavra. Mas, seu cabelo era bonito, antes do corte, é bom que se diga. Era preto e cacheado. Apenas um detalhe debaixo da velha tesoura, também “amolada” para o ritual. Aquilo durava uma eternidade! Enquanto “derrubava o loiro” conforme papai gostava de falar, talvez, numa tentativa vã, de amenizar nossas dores, ele parecia mastigar alguma coisa. Era um hábito da profissão!  Cada manuseio da tesoura, uma falsa mordida!  Naquelas horas nunca invejei tanto as  galinhas correndo soltas pelo terreiro! Pelo menos era assim, com as galinhas solteiras. As chocas minha mãe prendia num galinheiro feito de varas secas. Também nunca soube  as razões daqueles encarceramentos. Achava, naquela época, que as galinhas tinham manias de serem mães, mesmo não sendo. Agindo assim, umas tomavam os pintinhos das outras e davam muita confusão no terreiro. Minha mãe, com seu senso de justiça, jamais permitiria  desavenças entre as penosas.

O corte de cabelo durava cerca de meia hora embora a sensação fosse de eternidade. Depois de cortar tudo tinha que se lavar, pelo menos, da cintura para cima. Os restos do cabelo grudavam no corpo suado e, por que não dizer, ensanguentado. O banho era mais um momento de dor para quem tinha mania de ser francês. Dizem que eles não são muito chegados a esse hábito... O “novo visual” despertava a atenção dos vizinhos. Todos elogiavam a habilidade de meu pai. Ele sabia fazer muitas coisas; até castração de porco e outros animais. Mas não fazia nada disso sem “afiar” as ferramentas com antecedência.  Era um verdadeiro cirurgião, mesmo sem uso de anestesia... Mas sobre essa habilidade dele  eu comento  depois...

Imagem de Myriam Zilles por Pixabay 

5 comentários:

  1. Olá primo, kkkk, mesmo sendo da mesma idade sua não passei por esta penuria, pois tive a sorte de meu pai ser barbeiro, e as coisas para meu lado e a dos meus irmãos era um pouco melhor, mas tudo bem, o tempo passou e não morremos por isto é por outras mais, mas que bom que estão aqui para gozar desta bela crônica!!! abs.

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  2. Pelo formato da cabeça e estilo do cabelo (dito pixaim) minha guerra se restringiu a máquina de tosquiar! O sofrimento não foi menor do que o seu perante as ferramentas afiadas! Kkkkk

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  3. Boa tarde. Eu, que conheci seu pai, e conheço a família inteira, fiquei até imaginando a cena da tosquia... Abraço.

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  4. Ótima crônica!
    Acho que vou fazer isso Tbm!

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  5. Excelente crônica. Tive bastante dificuldade em acabar de ler, pois as lágrimas recorreram nos meus olhos, mas não foi de tristeza e sim de tanto rir.
    Parabéns padre. Como sempre suas palavras são maravilhosas. Obrigada por compartilhar conosco suas aventuras na infância.

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