E lá se foi Revista...
Ainda hoje, se insisto na história, sinto um aperto no coração. Uma nuvenzinha de tristeza paira sobre mim quando me recordo do fato...
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Ainda hoje, se insisto na história, sinto um aperto no
coração. Uma nuvenzinha de tristeza paira sobre mim quando me recordo do fato. Lembro-me
de Revista como se fosse hoje! Uma vaca pintada, com barbelas macias e um par
de chifres curtinho. Mansinha, que só ela!
Seu leite era o melhor de todos. Revista era filha de Mineira, uma vaca
branca e mansa, mas, um pouco sem graça. Além disso, não era boa de leite. Seu
grande mérito foi ter uma filha como Revista.
Revista era calma e tranquila. A gente adorava coçar sua
barriga quando ela se deitava no curral ao final do dia. Seu bafo quente era
uma espécie de agradecimento pelas carícias recebidas. Por isso, foi muito
paparicada pelos meninos. Eu era um deles. Guardava todas as palhas de milho e
as tamboeiras (espigas de milho que não se desenvolveram) somente para ela. E ai
de outra vaca que se aproximasse!
Meu pai, a cada manhã, tirava o leite das vacas e separava para nós o
leite de Revista. As poucas vacas que tínhamos permitiam-nos conhecê-las pelos
nomes e “caráter”. Revista tinha um
olhar de mansidão e com ele comunicava-se com a gente. Eu e Zezé, meu irmão
mais velho que eu, disputávamos o seu leite com um copo nas mãos. Solidária com nossa
pobreza, a boa vaca se esforçava, para matar nossa fome.
Naquele tempo meu pai amansou uma junta de bois: Dourado e
Barqueiro. Dourado era feio de doer, mas tinha um bom coração. Um de seus
chifres era mirrado e de seu olho esquerdo brotava rios de lágrimas! A gente não sabia por que, mas, ele chorava com um olho só... Barqueiro era mais
temperamental. No seu repente podia fazer estragos com seu par de chifres
pontiagudos. Sempre tive um pé atrás com ele. Zezé era mais animado que eu, mas,
de vez em quando, levava uns safanões do bicho.
Barqueiro era um mal necessário. Tinha mais forças para puxar a “capinadeira”,
uma aquisição moderna de meu pai, um verdadeiro luxo!
Como tudo passa nessa vida, Revista também passou. E não foi
um passamento tranquilo. Certa vez, simplesmente, não apareceu no curral pela
manhã. Meu pai mobilizou céus e terra em busca da vaca e nada de encontrá-la.
Logo ela, tão mansinha! Nem pista encontrava da vítima. Somente no outro dia, enquanto
Luiza apanhava lenha, o mistério foi desvendado. Luiza, minha irmã, quase saiu
correndo assustada com um gemido triste que brotava dos fundos da grota. Levantou
um milhão de hipóteses em fração de segundos. Poderia ser assombração de
verdade. Afinal, era tempo de quaresma e nesses tempos o pau quebrava! Antes de
sair em disparada, no entanto, lembrou-se de Revista. Poderia ser um “grito” da
vaca, um pedido de socorro. E era! Aproximou-se mais e viu Revista empanzinada,
e já agonizante, numa vala profunda. Meu pai não teve coragem de ir ao local.
Chamou o vizinho para dar o golpe de misericórdia em Revista, pois o tal
vizinho, não tinha relações afetivas com ela e, sendo assim, tudo ficaria mais
fácil.
A morte trágica de Revista foi um dos primeiros lutos que
vivi. Depois, muitos outros vieram... Até hoje não soube, ao certo, como
Revista foi parar naquela vala. Algo
ainda me diz que foi culpa de Barqueiro. Ele nunca me enganou. Era mesmo um boi
sem coração...
Imagem de Couleur por Pixabay
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..."Luiza, minha irmã, quase saiu correndo assustada com um gemido triste que brotava dos fundos da grota. Levantou um milhão de hipóteses em fração de segundos. Poderia ser assombração de verdade. Afinal, era tempo de quaresma e nesses tempos o pau quebrava!"
ResponderExcluirQuem de nós não teve medo assim um dia né!