Sexta-feira da Paixão
Sexta-feira da Paixão. Com que frenesi esperávamos esse dia! Mais pelo doce de leite do que pela Paixão de Cristo. Antigamente, lá...
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Sexta-feira da Paixão. Com que frenesi esperávamos esse dia! Mais pelo doce de leite do que pela
Paixão de Cristo. Antigamente, lá na roça, ninguém vendia o leite na
Sexta-feira da Paixão. O caminhão leiteiro nem saia da garagem. Os fazendeiros
faziam uma boa ação quase forçada: - Repartiam o leite com os vizinhos mais
pobres, a grande maioria, diga de passagem.
Da liturgia da Semana Santa a gente só tinha uma vaga ideia.
Alguns vizinhos mais folgados alugavam casa na cidade para passar os
festejos. Enchiam os carros de bois com:
Colchões de palha, travesseiros, e latas de farofas... Geladeira não havia nas
comunidades rurais. Aliás, nem energia elétrica havia. A meninada roía as unhas
só de expectativas. Durante uma semana iriam morar numa casa boa, com banheiro “dentro
de casa”, água encanada e lâmpadas elétricas. Aquilo tudo era um luxo para quem
vivia com pés descalços a rolar na poeira.
Naquele tempo a gente entendia pouco de religião, mas, morria
de medo do diabo e seus comparsas. O diabo mesmo a gente pensava que Deus o
amarrasse em algum lugar. Mas, os seus “funcionários” andavam soltos no tempo
da quaresma. Temíamos os lobisomens, mulas sem cabeças e outras criaturas
infernais. Meu pai jurava ter ouvido o relinchar de uma mula sem cabeças. A
gente alimentava uma dúvida cruel: - Se ela não tinha cabeça por onde
relinchava? Seja como for, a Semana Santa iria por fim àquela farra das
criaturas infernais, pois seria o fechamento do tempo quaresmal. Livres do mal
a podia pecar mais um pouco, inclusive,
pela gula. Esse pecado era inevitável diante do doce de leite. A bem da
verdade, a gente só comia doce de leite na Sexta-feira da Paixão. Ô dia abençoado!
Num tacho de cobre, muito limpo, mamãe começava desde cedo a
ferver o leite num fogão improvisado debaixo do pé de amora. De vez em quando, derramava um pouco de leite
nas brasas. Até hoje sinto o cheiro daquilo tudo. Mamãe mexia o leite sem parar. Amarrava uma
bucha de palhas na ponta de uma vara que lhe servia de colher. Colocava um
pires no fundo do tacho para o leite não derramar. O doce demorava uma
eternidade para quem já estava esperando um ano inteiro. Antes das três da
tarde estava pronto. Na hora da morte de Cristo a gente matava a fome de doce.
A fé podia esperar. No outro dia era a
gente quem morria, mas dessa vez, de dor de barriga. Nas moitas de bananeiras,
os “banheiros” da época formava-se um desfile de meninos quase o dia todo...
Tudo isso que passei me ensinou muito. Ensinou-se a valorizar
o que hoje tenho e ajudar mais os que não têm. Outra coisa que aprendi para
nunca mais me esquecer: Os efeitos colaterais do doce de leite em excesso.
Que coisa boa era tudo aquilo! Se eu pudesse começaria tudo
de novo.
Oh.... coisa boa poder relembrar da nossa infância, parece até que o senhor padre era meu irmão, e morávamos na mesma casa. Pois as histórias são muito parecidas com as minhas. Dá até um nó na garganta. Hoje depois de adultos e catequisados temos outra visão da sexta-feira da paixão. Um dia muito triste por sinal, ou o mais triste do ano. Queria ser criança novamente.Amo suas crônicas.
ResponderExcluirIsso mesmo!!!! Me senti como a Fátima:com um nó na garganta! Histórias de família parecem brotar da alma como uma fonte que jorra milhares de litros de saudades que passam pelos olhos e saem como lágrimas!!! Escreve mais! Estou amando lê-lo!!!!
ResponderExcluirPadre! Que delícia ler seus textos.Estou amando!!!!!Este então...Saudades
ResponderExcluirNossa! Me fez reviver um tempo muito bom .
ResponderExcluirQue saudade !! Aquele doce era muito especial.
Verdade passei por isso
ResponderExcluirVerdade viu
ResponderExcluir..."Amarrava uma bucha de palhas na ponta de uma vara que lhe servia de colher. Colocava um pires no fundo do tacho para o leite não derramar. "...
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