Fora da faixa

Faço de minhas idas ao velório uma rotina quase diária. Os motivos para isso, não são os melhores: Rezar pelo moço que suicidou, pela c...


Faço de minhas idas ao velório uma rotina quase diária. Os motivos para isso, não são os melhores: Rezar pelo moço que suicidou, pela criança recém-nascida, pelo jovem assassinado... Nesse último caso, a hora costuma ser a mais imprevista possível.  Já aconteceu de me chamarem ao cair da noite e eu ter que rezar às pressas, porque a família não queria sepultar o falecido sem o ritual das exéquias (oração pelos mortos). Em casos assim, o corpo só costuma ser encontrado três dias após a morte... Ir ao velório, não é agradável, mas faz parte de meu ofício de padre. Nesses momentos, a família precisa de uma palavra de apoio, um abraço fraterno e a gente faz tudo isso, carinhosamente!

Entre o Velório Municipal e o Cemitério de Pará de Minas, existe uma faixa de pedestre bem destacada. Sobre essa faixa já cruzei inúmeras vezes carregando meus apetrechos. Confesso que sou meio desajeitado e não poucas vezes deixei cair algo ao atravessar aquela rua.  Outros dias, quando eu a atravessava ouvi um pequeno grito: - Olha a foto, Pe. Gabriel!  Na hora fiquei sem entender e apenas dei um sorriso amarelo para meu amigo “Boró”, pois foi ele, o autor do grito. Só então, recordei de uma conversa antiga que tive com Daniel, funcionário da Jada Pax: - Daniel, eu passo aqui todos os dias e nunca me fotografaram. Reclamei, com ar de decepção. Os Beatles atravessaram uma faixa na Rua Abbey Road, em Londres, certa vez; e a faixa ficou tão famosa que hoje os turistas brigam para serem fotografados ali... Sem perder a pose, Daniel apenas retrucou: - É porque lhe falta um violão, Sô Padre! Na época jurei-lhe que iria levar um violão somente para realizar o meu sonho de celebridade... A notícia acabou sendo passada para frente e chegou aos ouvidos do Boró. Não sei por que ele se lembrou disso, visto que, naquele dia eu estava fora da faixa e nem sequer tinha o violão... Mas, como a esperança é a última que morre, antes que eu seja atravessado, naquela faixa, carregado por terceiros, ainda espero virar notícia...

O Cemitério de Pará de Minas fica num lugar alto e bonito. Alguém já chamou o local de “Alto da Gabiroba”. Só Luiz David, vai conseguir explicar a razão desse nome, assim como o uso da  Palavra “Segredo” que também nomeia a região. Será que, no passado, alguém foi “catar gabirobas” em segredo e acabou ficando por lá? Amilton Maciel cresceu no local e foi lá que aprendeu a catar gabirobas.  Jésus Geraldo, Locutor da Santa Cruz, ainda mora lá. Já me disse que adora sua vizinhança. Ninguém o incomoda. Mas, ele mesmo não beira muito o Campo Santo. Prefere manter distancia. Não chupa as mangas, que caem de madura por lá, e nem dá noticias de gabirobas. Na verdade há um pacto de silêncio entre os moradores de lá.

O velho cemitério de Pará de Minas está com os dias contados. Quem fizer questão de atravessar a tal faixa vai ter que apressar seu acontecimento final. Enquanto isso, o município procura  novo local para ser o “Campo Santo”. E é bom apressar mesmo. Caso, contrário, brevemente, teremos que sepultar os mortos de pé, por falta de espaço. E nesse quesito final o município não vai querer pisar fora da faixa!

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  1. Ameeii!! Muito obrigado pelo texto, Pe. Geraldo Gabriel. Pequenas dosagens de amizade, amor, reflexão sobre a morte, crítica ao poder público, tudo muito bem contado. Parabéens!! Voltarei sempre aqui para ler mais

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  2. Entre mortos e vivos, nem os Beatles escaparam. Eles se foram e a faixa ficou. Assim, também, será com todos nós. Entre mangas e gabirobas repousam, no silêncio do campo santo, aqueles tantos que já atravessaram a faixa do além...

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  3. Engraçado padre Gabriel,nunca passou pela minha cabeça de atravessar aquela faixa sendo carregada. O senhor tem cada imaginação. Tomara que demore muito para isto acontecer , pois preciso me acostumar com a ideia. Toda vez que eu for lá por aquelas bandas ,tenho certeza que vai ser a primeira coisa que vai vim na minha mente.( ..... você vai passar aqui um dia sendo carregada....) kkkk

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  4. Que bela observação padre, realmente nosso cemitério está superlotado, precisa de outro urgente. Quanto a foto vou passar as observar quando for rezar ( exéquias) quero ter o prazer de tirar sua foto. Deus o abençoe.

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  5. Kkkk gostei, então vamos tirar essa foto logo Padre. E ao funda da foto dos Beatles tem um fusquinha o Sr reparou?
    Se precisar do fusquinha tenho um viu rsrsrs....

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  6. Vamos providenciar a foto rápido padre, e com relação ao apressar aquela faixa sendo carregada, espero que demore muito, mas muito msm.

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  7. Parabéns pela bela construção textual Pe. Gabriel! De forma espetacular o senhor aborda temas como: a mística daquele local, suas diversas experiências advindas da frequência quase que diária por ali, a superlotação do campo santo e a negligência das autoridades competentes ante a essa superlotação. Expresso por meio deste comentário, minha satisfação por ter meu nome citado em uma maravilhosa crônica escrita pelo senhor! Gratidão! Daniel Júnio

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  8. ..." Ir ao velório, não é agradável, mas faz parte de meu ofício de padre. Nesses momentos, a família precisa de uma palavra de apoio, um abraço fraterno e a gente faz tudo isso, carinhosamente."...

    Gostaria muito, de receber o ritual das exéquias(oração pelos mortos)ao final de minha vida terrena! Avalio ser muito importante

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