Duelo: a briga dos valentões
Dizem que mineiro é bom contador de causos e parece que é verdade mesmo. Para se ter uma ideia disso, basta ler alguns contos de Guimarãre...
Dizem que mineiro é bom contador de causos e parece que é verdade mesmo. Para se ter uma ideia disso, basta ler alguns contos de Guimarãres Rosa. No conto “Duelo”, por exemplo, o quarto, do livro Sagarana, ninguém saberia ajeitar tão bem as peças na história como ele. Os contos de Rosa são sempre precedidos por uma epígrafe que acabam antecipando o que virá depois. No caso de “Duelo”, a epígrafe fala de uma competição entre uma piranha e uma arraia onde nenhuma leva a melhor parte, pois ela irá ficar para gimnoto, o peixe elétrico:
“E grita a piranha cor de palha, irritadíssima: - Tenho dentes de
navalha, e com um pulo de ida-e-volta resolvo a questão!... – Exagero... – diz a
arraia – eu durmo na areia, de ferrão a prumo, e sempre há um descuidoso que
vem se espetar. – Pois, amigas, - murmura o gimnoto, mole, carregando a bateria
- nem quero pensar no assunto: se eu
soltar três pensamentos elétricos, bate-poço, poço em volta, até vocês duas
boiarão mortas...”
Todo o conto fala da perseguição realizada por Cassiano, que desejava vingar a morte de seu irmão que fora assassinado por Turíbio Todo. Embalado pela narrativa a gente percorre a história torcendo por um, ou outro personagem. Quando tudo parece resolvido pelo correr natural da trama a história sofre uma reviravolta e surpreende a gente.
No centro do conto está Dona Silivana, “que tinha grandes olhos bonitos, de cabra tonta”, mulher de Turíbio Todo, que aproveitou a ausência do marido para deitar-se com Cassiano Gomes, ex-militar que só andava armado. Chama nossa atenção a descrição pormenorizada de alguns dos personagens do conto:
Turíbio Todo: Nascido à beira
do Borrachudo, era seleiro de profissão, tinha pelos compridos nas narinas, e
chorava sem fazer caretas; palavra por palavra: papudo, vagabundo, vingativo e
mau. Às vezes usava lenço no pescoço para esconder o papo.
Cassiano Gomes: Ex-anspeçada (posto
militar acima de soldado) do 1º pelotão da 2ª Companhia do 5º Batalhão de
Infantaria da Força Pública. Tinha problemas cardíacos.
Dona Silivana: Mulher de Turíbio Todo “que tinha grandes olhos bonitos, de cabra tonta”, e era amante de
Cassiano.
Antônio: Antônio era mais
conhecido por “Timpim”, mas preferia ser chamado por seu antigo apelido “Vinte
e Um”. Tinha esse apelido por ser o 21º filho da família.
Certo dia, após retornar da pescaria, Turíbio Todo, flagrou sua mulher com Cassiano e fingiu nada ver, pois Cassiano andava sempre armado e, se ele o enfrentasse, acabaria levando a pior. Além do mais, “vingança é um prato que se serve frio...” Por isso, disfarçou bem os seus sentimentos e planejou tocaiar Cassiano. O plano deu errado, pois acabou matando Levindo Gomes, seu irmão. Isso deu início a uma fuga homérica que durou cinco meses e meio!
Jurado de morte Turíbio Todo se
embrenhou pelos matos, subiu serras e atravessou rios fugindo de Cassiano que
respirava ódio contra ele. O “duelo”
(nome que intitula o conto) prolongou-se muito, mas apesar disso, os dois valentões
nunca se encontraram. Cansado de correr atrás do assassino do irmão e vencido
pelas doenças Cassiano resolveu, pelo menos, aparentemente, entregar a Deus aquela
vingança e, acabou hospedando-se num lugarejo pobre e monótono chamado
“Mosquito”: “Povoado perdido num cafundó de entremorro, longe de toda a parte -,
onde três dúzias de casebres enchiam a grota amável, que cheirava a grão-de
galo, murici e gabiroba, com vacas lambendo as paredes das casas, com
casuarinas para fazerem música com o vento, e grandes jatobás diante das
portas, dando sombra. Um lugar, em suma, onde a gente não tinha vontade de
parar, só de medo de ter de ficar para sempre vivendo ali”.
No arraial do Mosquito Cassiano
conheceu Timpim e o ajudou financeiramente para tratar-se de seu filho doente.
Timpim ficou muito agradecido e passou a chamá-lo de “compadre”, mesmo não
sendo, de fato, padrinho de seu filho: “No outro dia, o Timpim fez uma surpresa a
Cassiano: trouxe o bebê, para “tomar benção”, todo enrolado em excesso de
baetas e com a boquinha entupida por uma boneca de pano molhada em mel de abelha,
servindo de chupeta”.
A doença de Cassiano complicou-se e ele morreu ali mesmo. Mas, antes de morrer “doou” o seu dinheiro ao seu compadre Timpim. Turíbio Todo ficou sabendo da morte de Cassiano resolveu voltar para os braços de Dona Silivana. Agora posso voltar tranquilo, pensou! Quem me ameaçava já está morto... Enquanto regressava, feliz da vida, foi alcançado por um estranho cavaleiro que se juntou com ele na caminhada. O tal cavaleiro era Timpim. Assim que ambos se afastaram de qualquer contato humano Timpim anunciou que iria matá-lo e estava ali para esse feito: “ E, de repente, Turíbio Todo estremeceu, ao ouvir, firme e crescida, outra voz, que ainda não tinha escutado ao capiau: - Seu Turíbio! Se apeie e reze, que agora eu vou lhe matar!” Assustado e cheio de medo Turíbio pediu clemência e ofereceu dinheiro pela sua vida, mas nada adiantou. Timpim continuou firme no seu propósito: “Não grita, seu Turíbio, que não adianta... Peço perdão a Deus e ao senhor, mas não tem outro jeito, porque eu prometi ao meu compadre Cassiano, lá no Mosquito, na horinha mesma d’ele fechar os olhos...”. Turíbio continuou suas lamúrias, mas ao ver que estava mesmo num beco sem saída começou a rezar. Em seguida ainda posou de valente: “Mas, não! Assim como um carneiro, não! Curvou de banda e puxou o revólver, e foi um golpe de rédeas e outro de esporas, fazendo o cavalo se empinar. Mas a garrucha de Timpim não negou fogo. Afinal, havia prometido ao seu “compadre” vingar a morte de seu irmão. Turíbio Todo tombou ali mesmo, em meio ao cerrado. Timpim também fez o em-nome-do-padre, e esporeou o cavalo sumindo, aos poucos, no estradão...
Imagem de Rethinktwice por Pixabay
Com certeza, mineiro é um excelente contador de causos. Excelente texto Gabriel, adorei.parabens
ResponderExcluirGrande conto. Tem muito causo parecido em Minas gerais, basta ouvir os mais velhos. Cada canto um conto
ResponderExcluirAinda bem que as coisas mudaram. Brigas entre famílias rivais eram muito comuns até pouco tempo. Envolvia os mortos, os vivos e os vindouros. Brigavam e duelavam sem saber o porquê. Vingança não leva a lugar nenhum, a não ser debaixo de sete palmos de terra. Paz e amor, sem luto e dor...
ResponderExcluirQuanta violência, Deus nos livre!
ResponderExcluirJesus toma conta
ResponderExcluirParabéns
ResponderExcluirExcelente
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