Musas: Músicas que se lembram de cor
De vez em quando, somos surpreendidos com melodias tão antigas que até nos assustam. Sob as cinzas da memória elas estavam presentes aguar...

De vez em quando, somos surpreendidos com melodias tão
antigas que até nos assustam. Sob as cinzas da memória elas estavam presentes aguardando
o momento certo para virem à tona. Quem não se lembra das cantigas de ninar ou
de roda, que marcaram a própria infância? Basta uma nota musical e a música
aparece inteira em nossa mente. Milagrosamente, a memória resiste a toda forma
de agressão. Vivemos num mundo onde arte virou produto comercial e, todo dia, aparece
uma “música” nova nas plataformas modernas. Tornou-se “importante” apagar a
memória para alguns grupos de interesses. Somos o “mercado consumidor” dos enlatados.
Mas, a memória é teimosa e resiste a
esse avalanche de novidades mostradas pela publicidade.
Na mitologia grega a memória era uma divindade. Seu nome era “Mnemósyse”.
Com Zeus, ela teve nove filhas: eram as “Musas”, as “palavras cantadas”. Daí,
veio a palavra “música”, pois, música nada mais é, que palavra cantada. É bom
lembrar-se, de que estamos falando de uma época, muito antiga da história grega
quando ainda não havia alfabeto e, portanto, não existia a palavra escrita. Nesse
caso, a palavra cantada, era um recurso poderoso para preservar a memória. Através da música, as crianças memorizavam
com mais facilidade os elementos culturais que precisavam ser preservados.
Destruir a música de um povo é destruir também sua cultura e sua história.
Nesse caso, podemos questionar a nossa realidade brasileira atual: Onde foram
parar as músicas dos escravizados que construíram, debaixo de chicote, o nosso
país? E a música cantada pelos nossos povos originários? Será que eles não
cantavam? Ainda é possível resgatar parte desse patrimônio musical?
Atualmente, o Brasil inteiro “consome” uma música de gosto
duvidoso patrocinada por grupos que, nem sempre, querem saber de cultura. Meia dúzia
de cantores aparecem na TV ou Internet cantando o mesmo estilo de música,
vestindo o mesmo tipo de roupa e, quase sempre com latinhas na mão. Haja
fígado! Temos que ser garimpeiros do bom gosto para descobrir o que ainda nos
resta de diamantes nos grotões de nosso país. Mas, voltemos às musas!
Os poetas do mundo antigo, quase sempre, viviam de forma itinerante.
Memorizavam longas narrativas para recitarem nos diversos lugares por onde
passavam. Tais narrativas falavam de situações diversas, desde a exaltação dos
heróis, à poesia lírica, retórica ou comédia.
As pessoas paravam para ouvi-los e acreditavam que eles tinham uma
missão divina: recordar ao povo sua própria história! Em suas narrativas orais
invocavam a proteção das musas para variados temas. Cilo, por exemplo, tinha a
missão de lembrar aos poetas os feitos heróicos dos gregos; Euterpe, lembrava-os
das músicas; Melpômene, das tragédias sofridas...
O surgimento do alfabeto trouxe ganhos e perdas para os
gregos. O lado bom é que os registros passaram a ser anotados e, por isso,
ainda hoje, podemos conhecer boa parte daquela cultura. O lado ruim foi a perda
da memória oral. O alfabeto foi uma faca de dois gumes. Cada vez que se contava,
oralmente, um mito ele revivia e ganhava vida. Assim, ganhava também
sobrevivência.
O povo diz que “quem conta um conto aumenta um ponto”. Em se
tratando de narrativa oral isso não chega a ser um pecado. Os pontos
acrescentados tinham função pedagógica. Ao contar a história dos “antepassados o
que se queria, na verdade, era transmitir um ensinamento.
Hoje queremos invocar as musas para que elas não deixem
morrer o que há de mais bonito em nossa cultura. Sendo filhas da memória podem
trazer à luz elementos importantes de nossa história que estão caindo no
esquecimento. “Deletar” a memória de um
povo é um crime e pelo qual não queremos ser julgados no futuro. Que as musas
desçam entre nós e nos ajudem a salvar o que ainda for possível em nossa
história comum...
Imagem de ScienceGiant por Pixabay
Preservar a memória de um povo é mesmo muito importante, a cultura musical deve ter seu destaque mas infelizmente não tem.
ResponderExcluirNossos irmãos indios, os negros
que tem uma grande riqueza musical, não tem o merecido reconhecimento. Como falou no texto valorizamos, consumimos musica de gosto duvidoso.
É inegável que existem uma boa parcela de gente que felizmente tem muito bom gosto musical. Que bom!