Velhos amigos

  Não é para me gabar, mas, às vezes, consigo disfarçar os sentimentos mais constrangedores. Foi, exatamente, isso o que me ocorreu naquele ...

 


Não é para me gabar, mas, às vezes, consigo disfarçar os sentimentos mais constrangedores. Foi, exatamente, isso o que me ocorreu naquele dia fatídico. Por alguma razão, gosto dessa palavra “fatídica”. Tudo me aconteceu sob os olhos de Deus e de um sol escaldante que castigava a Rua Direita.

No vai e vem da calçada onde desfilamos sem tirar o olho do relógio, nos encontramos. Na verdade, nos trombamos mutuamente e, ainda sob o impacto da colisão, sem saber o que falar, percebi que a dona daquele corpo não me era estranha. Inês? Isabel? Clotilde? Vai saber!  Como não acredito em vidas passadas, certamente, já nos trombamos nessa vida mesmo em qualquer canto do mundo, supondo que o mundo tenha algum canto. Aquela feição, hoje acentuada por marcas de expressão, um nome elegante para falar das rugas, me fora familiar em outros tempos. Mas, naquele instante de sufoco era, exatamente, o tempo que me faltava. Apressei em me desculpar enquanto apanhava no chão algumas das bugigangas caídas de sua bolsa, uma bolsa com falso couro de jacaré. Foi então, que ela disse:

- Meu amigo! – Sou eu mesmo, fingindo certa  naturalidade.

- Como você se envelheceu! - Assim, na lata, sem o mínimo de piedade! - Pois é, respondi, meio sem jeito. - E seus cabelos? O que foi feito deles, ela continuou com aquela prosa agradável. - Por onde você tem andado, perguntei, tentando mudar o rumo do assunto com aquela, até então, desconhecida. E acrescentei: - Você não mudou nada!  Disse isso, na maior naturalidade... É, eu me mudei com Toizinho para Goiás. Ele também fala que estou muito conservada. Naquela hora, pensei numa conserva de lata, algo do tipo pepino dentro do vidro, entende? Aquele Toinzinho deveria ser tão falso quanto eu! - Pois é, alguém me disse que você havia se mudado mesmo... Quem era ela, meu Deus? Por mais que eu buscasse a ficha nos arquivos de minha memória ela não surgia. Então, fingi estar apressado e fui me afastando, aos poucos. Até logo, Inês! – Foi um prazer encontrá-la... e fui batendo-me em retirada. Até hoje me pergunto se a dona daquele corpanzil todo se chamava mesmo Inês. Deixa prá lá, né!

Imagem de Alina Kuptsova por Pixabay

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  1. Isso já aconteceu comigo também kkkk

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  2. Como diria meu afilhado Aleff " que deselegante" kkkkk

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  3. E é assim mesmo que acontece! Nem será a primeira e muito menos a última. Somos sempre pegos de surpresa por nossa mente, situações... Quem trabalha com o público ( e ainda grande) é passível de acontecimentos como esse. Mas que é, um pouco 😅, constrangedor, de fato é. Arrumamos uma pressa de fazer algo, que nem nós mesmo sabemos o que é. E aí, vem bem depois, a gaveta da mente abrindo e nos trazendo a vaga lembrança de quem era, aff, tarde demais. Porém a " delicadeza" nas observações, poderiam ser mais amena né! Já que o tempo, surge para todos! Obrigada pela reflexão, " o silêncio vale ouro" 🤣

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  4. Boa noite! Li e reli. Também a mim me aconteceu. Se Inês ou Luzia a vi em algum lugar. Não importa porque, uma ou outra existiu em algum tempo ou em algum lugar. Reminiscência, quem sabe?! Uma ou outra me fez pensar e refletir. Sei não. Se a concordância não estiver certa, corrija-me, mas uma ou outra, ou de uma ou outra, a lembrança existe. Abraço amigo para deixar para amanhã.

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  5. Suspense, comédia...
    Muito bom esse texto. Ao ler fiquei imaginando a cena engraçada, e também curiosa para saber quem era a mulher "simpática".
    Obrigada por dividir comigo mais esse texto que me proporcionou grande alegria.

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  6. Boa tarde a histórias que vários de nós já vivenciamos ,mas não é porque estamos ficando velhos mas sim é o tempo que está em uma velocidade incrível .Grande abraço que Deus abençoe a todos..

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  7. Logo no início do texto quando fala da colisão no passeio da rua Direita aí em Para de Minas, pensei que é muito fácil isto acontecer, eta calçada estreita! o planejamento passou distante do progresso da cidade. Bem, mas vamos lá em outro comentário, o nosso arquivo de memórias tem tantas informações que principalmente uma pessoa pública como o Senhor, é justificável, aceitável, não lembrar ou confundir nomes.

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