Sombras e cinzas

Quando criança gostava de brincar pisando nas sombras das nuvens que pousavam sobre as areias brancas das estradas. Na brincadeira, a gente sempre perdia, pois a sombra se deslizava, macia, sob nossos pés e, quando menos se esperava, já se ia ao longe. Insistentemente, a gente corria atrás dela que, novamente, se deslizava fugaz. Vencidos pelo cansaço nada mais nos restava senão retirar dos pilõezinhos de areia alguns míseros "piolhos de urubus". Criança combina com nuvens e nuvens combinam com sonhos… Deitados sobre a grama procurávamos, muitas vezes, carneirinhos e anjos que se ocultavam num piscar de olhos nas dobras brancas das nuvens que forravam o azul do céu.

Ainda ando com a cabeça nas nuvens, agora sem tirar os pés do chão. Sinto o frescor da areia que me puxa para baixo, mas não tiro os olhos do alto onde as nuvens me puxam para cima. Elas me surgem nos sonhos e, às vezes, sonho acordado… Sonho com fantasias, neblinas e brumas. Sonho é espuma, cinzas ruínas. Sonho é possibilidade, cinzas saudade.

Hoje entendo que o Espírito Santo é sombra. Ninguém o domina. Ele "sopra onde quer". É sombra que refresca acalma e fecunda a alma. Foi sombra que cobriu uma virgem e a fez gerar um filho. Isso não deixa de ser assombroso para nossa mentalidade controladora. Queremos controlar tudo pelo crivo da razão. Mas, sombra é sombra. Quando menos se espera se esvai…

A morte também deve ser uma sombra. Um dia ela nos cobrirá. Esse escuro momentâneo nos fará perder as certezas e o senso de orientação. Perderemos a visão para enxergar melhor… Mas, não há sombra que sempre dure. A nuvem é uma passageira do vento e o vento um viajante constante. Sua missão é varrer a poeira do mundo e tirar as cinzas do coração da gente. Por isso, não tenho medo das sombras. Elas aliviam o cansaço do viajante, e refrescam a brisa morna do meio dia. Fazem parte de qualquer caminhada e, como boa companheira, há de nos proteger na grande travessia da vida. Um dia seremos cinzas carregadas pelo vento. Voaremos alto e alcançaremos as nuvens. Deus permita que também sejamos sombras. Assim, poderemos brincar com as crianças e aliviar a caminhada de alguém…


Foto: Arquivo pessoal