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quinta-feira, 3 de abril de 2025

A surra de Agnaldo

 


Agnaldo, com “g” mudo, era filho de Floripes e Zé Pelota. Quando criança, andava sempre catarrento e chroramingão. De nada adiantava vesti-lo com roupas limpas que, em menos de meia hora, já estava sujo feito porco. Lembrando que, naquele tempo, o porco, realmente, era sujo. Hoje, eles ganharam novo tratamento. São chamados de excelência e não dormem sem ar condicionado! Exagero meu? Não, meu senhor, visite uma granja em S. José da Varginha, e verá que até esmalte eles ganham nas unhas da frente.

Naquela manhã tudo foi diferente para Agnaldo. Ele ia realizar um sonho: Andar de carro pela primeira vez! Totonho, seu vizinho sisudo possuía um Jeep usado para transportar coisas para a cidade. Aquele Jeep era uma verdadeira arca de Noé. Carregava de tudo: Frangos, ovos, queijos, pinga e até leitões. Os passageiros tinham que dividir o espaço com todas essas tranqueiras pois Totonho Triste, era meio muambeiro e gostava de fazer catiras. Aliás, preferia viver assim, a pegar no pesado.

O passageiro ilustre daquele dia, advinha? – Ele mesmo, Agnaldo, com “g” mudo! Empurrado pela mãe, levantou-se mais cedo, tomou banho, quem diria, penteou a juba, bebeu um cafezinho e lá se foram, rumo à sua aventura: Estrear o Jeep de Totonho Triste, também chamado de “Tonho Tristeza” ou só de “Tristeza”, mesmo. No coração de Agnaldo o que não cabia era tal sentimento, pois, estava ansioso pela aventura. Floripes acabou se alegrando por osmose.  Recatada e do lar, ela vestiu-se com discrição: Uma saia rodada verde, ou verde rodada, nunca sei o que vem primeiro... combinando com uma blusa também cor de abacate. Um verdadeiro periquitinho do pé de mamão!

Depois de se ajeitar na arca de Noé, digo, no Jeep, Floripes e Agnaldo rumaram para a cidade. Ele via tudo com curiosidade. Parecia-lhe que não fosse o Jeep a se mover. Tinha a sensação que era a paisagem que vinha em sua direção. Aquilo provocou reviravolta em seu estômago de criança e, em menos de meia légua, botou tudo para fora. Por pouco, não sujou a saia verde de sua mãe.

Ao voltar da viagem começou sua desventura. Contou para todo mundo o que viu exagerando muitas vezes. Numa rodinha de amigos confessou em voz alta: Quando crescer vou comprar um caminhão, bem grande, só para carregar Dorinha na boléia. Dorinha, pelo visto, era o sonho de consumo da galera de sua idade. Ao ouvir tal confissão Floripes entrou na conversa: - Que bonito, heim Agnaldo? Em vez de carregar sua mãe vai carregar uma sirigaita qualquer! Havia certa dose de despeito na fala dela. Afinal, até as mulheres maduras tinham ciúmes da tal Dorinha. – Você deve dar preferência, no seu caminhão, a quem te botou no mundo, continuou Floripes. Conversa vai, conversa vem e ela se irritou com Agnaldo. Pegou uma velha corda e deu com ela no lombo do menino.

Que pena! Pelo que vim saber depois, Agnaldo ficou com a surra de graça. Nem se casou com Dorinha e muito menos adquiriu um caminhão. Fazer o quê, né? Já dizia o poeta: Tudo vale a pena se a alma não é pequena! Esse ditado vale para todo mundo da história, menos para Floripes que, pelo jeito, nem usa mais aquele “encanto” de saia verde...

Imagem de Peter H por Pixabay

9 comentários:

  1. Conheço alguns Agnaldos, com “g” mudo, que ao entrar no carro deixa todo carrossel com inveja, pois o mundo todo gira igual a música do Jerry Adriani....

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  2. Kkkkkk
    Eu não sei se sou esse tal de Agnaldo ou o porco de unha pintada kkkkkkkkkkkk

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  3. Eu quando criança, enjoava só de pensar em andar de jardineira, pal de arara, ou caminhão leiteiro. A jardineira era uma mistura de tudo isso. Minha bisa vó morava em Bom Sucesso e de Pará de Minas até lá era 5 horas de viagem. De carro hoje, são 20 minutos.

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  4. Muito bom! Me bateu uma nostalgia rsrsrs, saudades do tempo de criança, o ônibus da Jaguara a antiga rodoviária de Pará de Minas, mera semelhança com o Jeep do Totonho. Saudades também do tempo dos caminhões que transportavam leite em latas, geralmente era a "carona" do povo da roça....uma viagem dessas proporciona inúmeras viagens na minha imaginação enquanto criança! Obrigado pelo texto, uma leitura tão leve e saborosa! Paz e luz! 🙏🏾

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Texto bem escrito porque nos envolveu todo tempo e com interesse na aventura e desventura do agnaldo. Era muito real estes acontecimento como as jardineiras que carregavam de tudo, afinal a camaragem imperava, diferentes dos novos tempos.
    O que não foi nada bom no desfecho, é a surra desnecessaria, mas podemos pensar que este modelo de educação era uma prática mas que felizmente mudou.

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