"Eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado...
"Eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero todos os pastos demarcados(…) este mundo é muito misturado"
(Guimarães Rosa – Grande Sertão Veredas).
A frase acima, expressa o pensamento de Riobaldo, personagem do escritor Guimarâes Rosa. Sua maneira de pensar, assemelha-se à nossa. Não é fácil ver a realidade dialeticamente. Dialética é aquilo que já carrega em si, sua própria negação. Ex: A noite, por mais escura que seja, já traz em seu bojo o clarão do dia seguinte. É como se a escuridão estivesse grávida da claridade. O dia, por sequência, é o momento necessário para a gestação da noite. Nesse equilíbrio de duas realidades opostas, a vida se faz e se desfaz.
Se eu pudesse apelar para uma divindade para explicar essa tensão constante em todas as coisas, buscaria Shiva, no Induísmo. Shiva(divindade da dança), simboliza a eterna transformação do universo, enquanto, Brahma representa o criador e Vishnu o conservador. Se a compreensão da realidade como um todo de forma dialética já é muito difícil, a compreensão da realidade humana assim, é ainda mais complicada. Nossa visão do humano costuma ser muito marcada pelo maniqueísmo. Por isso, separamos as pessoas em dois grupos distintos e antagônicos: Os bons (justos, santos, eleitos…) e os maus. Aos bons cabe a salvação, aos maus, só resta a danação. Não é com uma visão mais ou menos assim que o presidente dos Estados Unidos estimula a guerra contra o Iraque? Ela não é uma guerra contra o "eixo do mal"?
A tarefa de separar o joio do trigo não é uma tarefa fácil. Se fosse você o encarregado de separar com uma faca, o bem do mal, provavelmente você teria que cortar o próprio corpo. Em se tratando de realidade humana, não existem puros e impuros. Todos somos uma mistura de tudo, o tempo todo. O mundo humano jamais será ajustado às exigências de Riobaldo. Há de continuar sempre "muito misturado".
Enquanto projeção humana, os deuses da mitologia grega são grandes portadores dessa ambiguidade. Uma mesma divindade pode fazer o bem ou o mal. A guerra de Tróia, por exemplo, foi desencadeada por um desentendimento das deusas Vênus, Juno e Minerva. Mas, o final da guerra aconteceu igualmente pela interferência dos deuses.
Os Orixás, presentes em alguns cultos afro-brasileiros também são portadores da mesma ambiguidade. Podem fazer o bem ou o mal. Talvez eles sejam assim, porque assim é o homem. Somos uma mistura de bondade e maldade. O mal pode crescer no coração de cada um de nós. O próprio diabo, antes de carregar o peso desse nome, ao que parece foi um anjo que revoltou contra Deus, no paraíso.
Em uma passagem do livro "O Pequeno Príncipe" está escrito que o mal pode crescer feito baobá, no coração da gente. Por causa desse perigo é melhor destruir todas as suas sementes. Mas, o leitor não deve ficar desesperado se não conseguir arrancar as sementes do mal do próprio coração. A tarefa, realmente não é fácil. Até mesmo S. Paulo, com toda sua santidade apanhou nesse quesito. Num certo momento de sua vida ele admite: " Eu, deixo de fazer o bem que quero e acabo fazendo o mal que não quero" (Rom 7,19-20). Se até mesmo S. Paulo, teve dificuldades nesse empreendimento, nós não podemos querer muita coisa, não é mesmo?
Observação: O baobá é uma árvore muito querida na África e, talvez não deveria ser associada à idéia de pecado ou de coisa ruim que pode crescer dentro da gente.
Imagem de Lalelu2000 por Pixabay
.."Até mesmo S. Paulo, com toda sua santidade apanhou nesse quesito. Num certo momento de sua vida ele admite: " Eu, deixo de fazer o bem que quero e acabo fazendo o mal que não quero" (Rom 7,19-20). Se até mesmo S. Paulo, teve dificuldades nesse empreendimento, nós não podemos querer muita coisa, não é mesmo?"...
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