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domingo, 16 de setembro de 2018

São Vicente e as Frondas

Não é fácil entender a realidade da França na época de São Vicente de Paulo. O cenário, de maneira geral é de guerra. As guerras envolviam diversos países. Mas, internamente a França estava dilacerada por rivalidades de toda sorte. O cenário religioso também foi marcado por grandes divisões. Mas, algumas coisas precisam ser ditas para o bom entendimento do contexto.

A Guerra dos Trinta anos foi, na verdade, uma série de pequenas guerras na Europa Central entre 1618 e 1648. Inicialmente, envolveu vários estados protestantes e católicos no fragmentado Sacro Império Romano-Germânico. Aos poucos, se transformou-se num conflito geral envolvendo a maioria das grandes potências. Ela só terminou com a chamada “Paz da Vestfália” e assinatura de tratados de paz entre maio e outubro de 1648 nas cidades vestfalianas de Osnabrück e Münster. Esses tratados encerraram a Guerra dos Trinta Anos no Sacro Império Romano e a Guerra entre Espanha e República Holandesa (1568 – 1648) com a Espanha reconhecendo a Independência da Holanda. Esse Tratado de Paz, no entanto, acabou trazendo muitas dificuldades para a Igreja Católica, pois reconhecia a independência e soberania política dos estados protestantes. A corte da França estava embriagada de glória e pouco ligava para os interesses da Igreja.

Após a morte de Luís XIII, a regente Ana da Áustria, confiou todo seu governo ao Cardeal Mazarino, pois Richelieu já havia morrido. Mazarino aumentou os impostos e com isso desgostou a nobreza provocando nela uma forte reação. Os nobres se negaram a pagar os impostos e sitiaram o Palácio Real do Louvre. Esse movimento desestabilizou a França. A família real teve que fugir de Paris. Essa guerra civil foi reconhecida  como “As Frondas”.  A palavra “fronda” quer dizer “estilingues de crianças”. Na ocasião (1648), a nobreza, com instrumentos parecidos, arremessavam pedras nas janelas dos associados do Cardeal Mazarino em protestos contra sua política econômica.

As Frondas trouxeram enormes dificuldades para que São Vicente de Paulo pudesse manter suas obras de caridade. Paris ficou cercada por oito mil soldados e nesse cerco não podia passar o trigo que alimentava os pobres. Durante quatro anos (1648-1652) Paris viveu uma realidade de guerra civil. As doenças se alastravam juntamente com a fome. Ninguém sentia segurança para andar nas ruas.

No dia 14 de janeiro de 1649, São Vicente de Paulo tomou uma decisão extremamente perigosa. Saiu da cidade, clandestinamente, e, acompanhado apenas de um religioso, foi ao encontro da rainha no exílio em Saint-Germain-em-Laye. Pediu-lhe, que demitisse o Cardeal Mazarino e retornasse a Paris para alívio da população carente. Na mesma viagem encontrou-se com o Cardeal Mazarino e aconselhou ao autoexílio para o bem de todos. Essa decisão foi, extremamente, corajosa e poderia ter lhe custado a própria vida. Seu gesto, porém, de nada adiantou. Mazarino não lhe deu ouvidos.  Quando a população de Paris ficou sabendo que Vicente tinha ido ao encontro de Mazarino ficou revoltada. Cinco dias após sua partida oitocentos soldados invadiram a Casa São Lázaro e saquearam tudo, além de incendiar o depósito de lenha. Interpretaram mal a viagem de São Vicente e pensaram que ele estava de conluio com a rainha e com o Cardeal Mazarino. A fome apertou mais ainda, pois em São Lázaro, os Padres da Missão alimentava cerca de três mil pobres por dia! Para contornar os problemas os pobres de São Lázaro tiveram que ser distribuídos em outros abrigos provisórios. Terminada a primeira Fronda a Rainha retornou a Paris. Nesse tempo São Vicente estava visitando suas obras até que o ambiente contra ele se acalmasse na capital. Só retornou à capital por insistência do arcebispo de Paris e da rainha que mandou buscá-lo numa carruagem puxada por dois cavalos. Isso o envergonhou bastante. Sua humildade não lhe permitia esses luxos. Chamava a carruagem de  “a minha infâmia” e quando saia nela pelas ruas a enchia de pobres. Os cavalos foram rebaixados a puxar o arado e as carroças de carga.

Por uma sequencia de intrigas palacianas a segunda Fronda aconteceu. Mazarino e Condé, um importante general do reino da França, possuíam as mesmas ambições. Condé se valia da fama de ter vencido uma guerra contra os espanhóis e por isso reivindicava sempre mais poder para si. Mazarino também visava o poder supremo. A indignação do parlamento e da nobreza foi despertada quando Mazarino prendeu e exilou, em Havre,  Condé, de Conti e o cunhado de ambos em 1650. Apesar do protesto geral do parlamento a rainha recusava a dispensar Mazarino, seu fiel escudeiro. Para ter apoio político Mazarino fez de tudo: vendeu bispados, abadias, bens da igreja... Vicente de Paulo esteve várias vezes com a rainha suplicando que ela tomasse uma decisão. Mazarino, no entanto, se manteve firme e por vingança, mandou esmagar  o “partido dos devotos”, uma associação católica que incentivava a caridade e a devoção à Eucaristia. A revolta cresceu e Mazarino retirou-se em fuga deixando para trás a família real. Mas, essa contenta entre o General Condé, partidário da Fronda e o Cardeal Mazarino, tendo o palácio com aliando durou ainda muito tempo e deixou um rastro de dor e de morte por toda a França. Durante dois anos, o tempo da Segunda Fronda Paris conheceu todo tipo de misérias.

Desde o começo dessa guerra civil São Vicente de Paulo atuou incansavelmente. Espalhou seu “exército de caridade” em toda a França, para socorrer os famintos, pestilentos e doente desamparados. Vagavam pelas ruas de Paris cerca de cem mil mendigos! Mais de doze mil membros de boas famílias foram reduzidos à miséria. Morriam a cada mês cerca de dez mil pessoas. Em uma de suas cartas, datada de 21 de junho de 1652, São Vicente enumera as boas obras em favor dos pobres parisienses:

“Sopas distribuídas diariamente a quinze ou dezesseis mil pobres; oitocentas ou novecentas moças recolhidas em boas casas e alimentadas; em São Lázaro são hospedados os vigários, coadjutores e outros padres que tiveram de abandonar as paróquia e fugir para Paris; chegam novos padres, todos os dias, e aqui são exercitados nos deveres, que devem saber e praticar. Eis como Deus permite que participemos em tantas boas obras. As pobres Irmãs de Caridade trabalham mais do que nós no serviço corporal dos pobres. Elas distribuem sopas, diariamente, a mais de mil  e trezentos pobres, na casa-mãe. Na paróquia de Saint-Dênis a oitocentos refugiados, e na paróquia de São Paulo a quinhentos pobres, além de oitenta doente. Em outros lugares fazem o mesmo. Peço-vos que rezeis por elas e por nós.”

Diante de tantas dificuldades e desafios São Vicente não desanimava. Passava horas diante do Sacrário e cada vez que saia da oração saia com o espírito renovado. Aos padres de São Lázaro aconselhava:

 “Enquanto muita gente sofre, devemos fazer como Moisés, que conservava continuamente com as mãos erguidas para o céu; devemos interceder junto à Divina Misericórdia pelos pecados e ignorância dos que sofrem...”

São Vicente de Paulo foi um gigante do bem. Mas, antes de tudo, foi um gigante de fé. Sabia que sem Deus não seria possível fazer um trabalho de assistência tão grande e desafiador. Que seu exemplo nos ilumine e nos incentive na prática do bem.

Obs: Esse texto foi baseado no seguinte livro:

Castro, Jerônimo Pedreira, padre. São Vicente de Paulo e a Magnificência de sua obra. Petrópolis, RJ – 1957 –pp 298 ss

2 comentários:

  1. São Vicente uma pessoa que levou ao extremo o amor pelos mais pobres e excluídos de sua época... Vivendo em meio a uma guerra tão terrivte, não abandonou seu posto de representante de Cristo aqui na terra. Viva São Vicente!!!

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  2. Parabéns Padre Gabriel pelo post!!!

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