Havana: Mestre dos disfarces

Em nossa cultura o diabo é retratado com cores fortes. Foi pintado com chifres, rabo, asas de morcego, mau hálito e mais uma porção de coisas horríveis. Penso que ele deve ser feio mesmo. Mas, acho também, que ele, melhor do que ninguém sabe disfarçar sua feiura. Caso contrário, ninguém se aproximaria dele. Não iria conquistar ninguém se já chegasse assustando todo mundo. Quem o serve aprendeu a fazer o seu jogo. Você acha que quem oferece droga ao seu filho, mostra para ele todas as consequências do vício? É claro que não. Com certeza, as promessas são outras: ganhar muito dinheiro, experimentar adrenalina, sentir-se um deus... Seja como for, o diabo deve ser o mestre dos disfarces. Engana a pessoa e depois a abandona num vale de lágrimas...

No Ramayana, um clássico indiano, existe um personagem, que quase sempre, é identificado com o diabo. Trata-se de Ravana, o rei de Lanka (Sri Lanka), da família dos  Rakshasas. Ele vivia causando problemas aos habitantes das florestas, sacerdotes e reis. Ravana tinha um irmão chamado Kumbhakarna que dormia seis meses diretos e, quando acordava, comia tudo o que via pela frente, assim como você quando retorna da ginástica. Sua irmã, Surpanakha, era mestra dos disfarces. Estava meio “caída” e era  feia por natureza, mas com ajuda de muita maquiagem posava de gatinha. Diante da vítima alvejada apresentava-se como mulher nova bonita e carinhosa... que fazia o homem gemer sem sentir dor.... Dizem que, de vez em quando, ela ainda dá umas voltinhas  em Pará de Minas...

Ao saber que Rama, Príncipe de Ayodya, estava na floresta  vivendo só de amor, Surpanakha não perdeu tempo. Transformou-se numa Dona Beja, quando Dona Beja era nova, e aproximou-se de Rama para seduzi-lo. Seu esforço foi em vão. Rama não era como o Contratador João Fernandes. Além de não cair nos seus truques  ainda apresentou-lhe a esposa. Surpanakha ficou furiosa (quem não ficaria?) e investiu contra Sita. Rama puxou sua espada cortando-lhe a ponta do nariz. Ela saiu dali despeitada e disposta a uma vingança. Agora, além de feia, estava sem um pedaço do nariz. Era o fim!

Em Lanka Surpanakha convenceu seu irmão Ravana, que Sita era a mulher mais bela da terra. Sendo assim, ele deveria desposá-la. Envenenou o irmão com seu discurso de mulher rejeitada. Ao descrever a beleza de Sita um fogo ardente cresceu no coração de Ravana. E olhe que ele era sem coração! Mas, até quem não tem coração costuma crescer o olho numa mulher bonita.

Ravana disfarçou-se num veado de ouro( Freud explica porque esse foi o animal escolhido!) e foi passear ao redor da casa de Rama. Ao ver aquele animalzinho tão gracioso e delicado Sita convenceu o marido a capturar-lhe o bichinho. Rama sabia que alguns demônios usavam disfarces, mas não pensou que fosse o caso. Então, pediu ao seu irmão  Lakchamana que cuidasse de Sita enquanto ele ia atrás do veado de ouro. Enquanto isso, Ravana imitou a voz de Rama pedindo socorro na floresta. Sita ouviu e ficou muito preocupada. Pediu a Lakchamana que fosse socorrer o marido em perigo. Antes de sair Lakchamana  rezou um mantra e desenhou um círculo no chão em torno da casa. Recomendou a Sita que, por nada desse mundo, atravessasse aquele círculo de proteção. Mas, o “diabo” que não é preguiçoso, usou do disfarce mais uma vez. Agora se fingiu de velho desamparado e aproximou-se da casa onde Sita se encontrava preparando um franguinho com quiabo.  Disfarçado de andarilho o diabo pediu esmola. Sita que tinha o coração bondoso ao ver aquele velho indefeso acabou “pisando fora da faixa” esquecendo-se de respeitar o círculo no chão. Assim que pisou do lado de fora do risco, foi capturada por Ravana. Por ele foi conduzida e aprisionada no palácio na distante Ilha de Lanka. 

E o que aconteceu depois disso?

Só no próximo capítulo...