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sábado, 12 de janeiro de 2019

O Bispo me fez chorar


Antes de escrever esse texto vai uma explicação:

Ele foi escrito por mim em 2002 após uma longa entrevista com Dom José Belvino sobre um tema polêmico, na época, que seria debatido na Rádio Santa Cruz. Como a Rádio é da Igreja Católica, quis ouvir a opinião do Bispo antes de colocar o debate no ar. Depois da entrevista escrevi esse texto. Confesso que Dom Belvino, muitas vezes, me emocionou com suas reflexões. Quis transcrever esse texto, apesar de antigo, somente para recordar o que aconteceu naquele dia.

Atualmente, somos desafiados, constantemente, por questões ambíguas que nos pedem um julgamento. Obviamente, não nos cabe a condição de juízes, mas parece inerente à pessoa humana a pergunta pelo certo e pelo errado. Convivemos, hoje, com realidades distintas e opostas. Se os jornais nos mostram as mulheres afegãs com o rosto coberto pela burca, mostram, por outro lado, um casal de Minas Gerais que, adota, legalmente, um filho, sendo homossexuais. Presenciamos de um lado, o conservadorismo exagerado e de outro, uma postura bem diferente... Divididos nesse espaço nos perguntamos: mas o que está correto?  A novela da Rede Globo exibe, num horário nobre, o caso do “homem que virou mulher”.

A Rádio Santa Cruz, de Pará de Minas, não tem o costume de  fugir dos temas polêmicos, mas antes de debatê-los, procuramos ouvir opiniões distintas, de várias pessoas  sobre os temas. Por causa disso, num sábado, durante o Programa “Show de Sábado”, apresentado pelo locutor  Geraldo Cunha, resolvemos discutir os assuntos da troca de sexo e adoção de crianças por homossexuais. Meio assim ressabiado procurei o Bispo da Diocese, pensando mil e uma coisas. Apesar de conhecê-lo, não sabia qual seria sua reação às minhas perguntas. Com sua calma de pessoa vivida, Dom Belvino recebeu-me por volta das 13 horas, em sua casa, num horário impróprio para audiências. Com gravador ligado ouvi sua fala sobre o assunto.
Vou descrevê-la na íntegra:

Meu caro Pe. Gabriel e prezados ouvintes:
Há certos assuntos dos quais, se possível, a gente fugiria.  O assunto deste programa é um deles. Todo “ismo” costuma ser perigoso: Fatalismos, modismos, fanatismos, etc.  Os modismos, que parecem atuais, na verdade sempre existiram sob as cinzas. Agora vêm à tona, causando muita inquietação, como a mudança de sexo, por exemplo. Isso diz respeito a uma pequena minoria da sociedade. Mas, ao que parece, é uma minoria extremamente sofredora. Como devem sofrer as pessoas que nascem fisicamente com um sexo, psicológica e “espiritualmente” com outro! Elas sofrem por causa do preconceito, da reação da sociedade e da própria família...
A gente se pergunta: eles têm culpa? Acho que não. Como agir nesses casos: aceitar? Olhe, estamos vivendo num mundo pluralista, onde tem de tudo e temos que conviver com os contrários. Temos que aceitar quem não pensa, nem age como nós. Santo Agostinho,  em sua sabedoria e inteligência dizia: “ nós devemos, às vezes, condenar as atitudes erradas das pessoas, mas nunca condenar as próprias pessoas”.

Penso que nós devemos amá-las de qualquer jeito. Portanto, vamos respeitar o que acontece com determinadas pessoas que enfrentam tantas dificuldades, físicas, psicológicas ou existenciais. Vamos fazer por elas o que estiver em nosso alcance para ajudá-las a serem felizes. Não somos obrigados em concordar com tudo o que pensam e fazem. Há certos princípios que são básicos e se os desprezamos os resultados são catastróficos. Entretanto, se uma pessoa assim, vier junto a mim e se desabafar pedindo ajuda eu lhe darei apoio. Terei a compreensão necessária, como um pai deve ter para com o filho. Um pai, mesmo não concordando com o filho, o recebe de braços abertos, chora e ri com ele. Seja qual for o problema, aquele que me procurar pedindo amizade e orientação, eu não darei as costas (pausa). Pe. Gabriel, a gente sempre pede a Deus a graça de para os filhos ser pai, para o povo ser pai, para os padres ser pai. Isso não tem sido muito fácil no mundo de hoje.

O Bispo não sabe, mas se antes da entrevista eu estava ressabiado, após a mesma, fiquei emocionado. Nunca pensei que sua caridade fosse tão grande! Imaginei que fosse ouvir um discurso moralista ou legalista, mas o que ouvi foi a própria caridade. Ela supera a lei. Tolera coisas que a lei  não tolera. Senti-me diante o próprio Cristo!

O Bispo não sabe por que saí depressa de sua casa. Fiquei desconcertado. A emoção era demais. Na estrada liguei o gravador e ouvi a entrevista várias vezes. Coloquei-me no lugar do marginalizado. Aquele que, muitas vezes, é alvo de chacota da mídia, cuja imagem se assemelha a de Cristo, banalizada por muitos naquele tempo e ainda hoje. Na fala do Bispo ouvi a voz do amor. As lágrimas pesaram-me nos olhos. Não me contive. 
Naquele dia o meu bispo me fez chorar...

2 comentários:

  1. Dom José... " nunca pensei que sua caridade fosse tão grande"...
    Amava seu carisma e sua postura de um verdadeiro santo.
    Sua morte " me fez chorar"...

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  2. Lindo texto. Dom José Belvino era muita pessoa de grande sabedoria.

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