O encontro de dois oceanos

O encontro de Rumi e Shams ficou conhecido na tradição sufi como o encontro de dois oceanos. Isso, em razão da grandeza dos dois poetas e...

O encontro de Rumi e Shams ficou conhecido na tradição sufi como o encontro de dois oceanos. Isso, em razão da grandeza dos dois poetas e místicos do Islã. Mas, vamos falar um pouco sobre cada um deles para depois falarmos desse encontro místico.

Jalal ud-Din Rumi, também conhecido como Maulana Rumi (Mevlana, empersa = nosso senhor), foi um dos maiores poetas e místico de toda a tradição persa e árabe. Ele se assemelha aos grandes místicos ocidentais tipo: Santa Tereza de Ávila São João da Cruz, Hildegard voon Bingen e tantos outros...

Rumi nasceu em 30 de setembro de 1207 na aldeia de Waksh (hoje no Tajiquistão), que naquela época ficava sob a jurisdição de Balkh (atual Afeganistão). Morreu em Konya, na Turquia em 17 de dezembro de 1273. Era filho de um teólogo e desde cedo aprendeu teologia. Mudou-se de sua aldeia ainda criança por causa das invasões mongóis. Durante cinco anos sua família viveu de forma errante e nesse tempo Rumi esteve em Meca. Na juventude casou-se com Gowhar Katun e teve com ela em 1226 o seu filho Sultan Walad. Esse filho foi seu primeiro intérprete e fundador da ordem sufi Mevlevi, conhecida também como a Ordem dos Dervixes girantes.

Baha’ud Din, pai de Rumi chegou com sua família à Anatólia Central, na Turquia, região conhecida por Rum (daí a alcunha de “Rumi”), em 1228. Passaram a morar, então em Konya, onde Baha’ud Din foi professor de teologia. Após a morte do pai, Rumi passou a ser o seu sucessor como mestre espiritual. Viajou para Aleppo, na Síria onde conheceu outro grande místico e filósofo Ibn Arabi.  Com 37 anos Rumi já era um homem versado em filosofia, poesia clássica, teologia, jurisprudência e moral.

Em 28 de novembro de 1244, Rumi encontra-se pela primeira vez com outro grande místico, Shams ud- Din de Tabriz, também chamado por “Sol de Tabriz”  e esse encontro mudou a vida dos dois místicos. Muitas lendas falam sobre esse encontro.

Shams AL-Din Mohammad  ou simplesmente, Shams de Tabriz (1185 – 1248), foi um poeta místico persa e teve uma profunda comunhão com Rumi. Pelo visto, Shams tinha entre 45 a 60 anos quando chegou a Konya.  Era, certamente, mais velho que Rumi embora,  ele mesmo, falava pouco de sua história pessoal. Segundo James Cowan, sua família era ismaelita e seguia uma linha de dissidentes do islamismo sunita que tinham, entre seus postulados de vida,  a prática de se fazerem passar por loucos ou todos. Vinha da tribo dos Hashishins, da Síria. Vagava pelo mundo em busca da verdade suprema incorporada num ser humano. Entre Shams e Rumi houve um intercambio e comunhão de naturezas.

O primeiro encontro de Shams e Rumi é envolvido por muitas lendas. Uma delas conta que Shams jogou os livros de estimação de Rumi num tanque com água. Naqueles livros estavam registrados muitos ensinamentos  e escritos raros do pai de Rumi. Ao perceber a preocupação do amigo Shams retirou os livros do fundo das águas. Eles estavam secos, mas com as páginas apagadas. Isso mostra que, a partir daquele momento Rumi teria que escrever os próprios ensinamentos que surgiriam daquele novo momento. Depois dessa cena ambos passaram isolados cerca de 40 dias num profundo diálogo espiritual. O próprio Shams conta em um de seus escritos (Maqalat, 245-246) o que signficou esse encontro com Rumi:

“Eu tinha em Tabriz um mestre espiritual, Abu-Bakr, e foi dele que obtive todas as santidades. No entanto, havia em mim algo que meu mestre não pôde ver; de fato ninguém era capaz de vê-lo. Mas, meu senhor Maulana o viu. Eu era água estagnada, fervendo e entornando-me sobre mim mesmo e já começando a cheirar mal, até que a existência Maulana  me encontrou; então aquela água começou a correr e continua correndo doce, fresca, saborosa...”

Mas, o encontro de Shams de Tabriz e Rumi gerou alguns problemas. Os discípulos de Rumi não entenderam que seu mestre tivesse mudado tanto. Agora parecia fraco da cabeça. Aprendeu a rezar dançando, uma dança rodopiante que o colocava em transe e ele começava a pronunciar versos, até mesmo em plena rua...  Deixemos que o próprio Rumi explique o que estava acontecendo com ele a alturas de sua vida:

Quando Shams chegou, senti acender em meu coração uma poderosa chama de amor por ele, e ele deliberou comandar-me de um modo despótico e definitivo. Shams me disse:

 “Deixa de uma vez por todas de ler as palavras de teu pai”. Obedeci à sua ordem e desde aquele momento nunca mais as li. Em seguida ordenou-me: “Guarda silêncio e não te dirijas mais a ninguém”. Cortei, então, todo contato com meus discípulos. Meus pensamentos eram o néctar de meus discípulos: eles sofreram por isso fome e sede. Surgiram então sentimentos negativos entre eles; e uma praga caiu sobre meu mestre...

A tensão entre os discípulos de Rumi e Shams cresceu a tal ponto que Shams, certa ocasião, desapareceu definitivamente da Cidade de Konya. Esse desaparecimento ficou envolto em mistérios. Alguns afirmam que ele foi assassinado pelos discípulos de Rumi; outros, que ele partiu para a Síria. O que há de certo é que ele nunca mais foi encontrado. Na porta do seu quarto,  em Konya, Rumi escreveu:

Eu era neve,
 teus raios me derreteram
 e a terra me tragou;
 agora, nevoa do espírito,
refaço o caminho ascendente
 de regresso ao sol...

Movido pela dor da separação de seu mestre/espelho/alma gêmea...  Rumi escreveu os versos mais lindos de poesia mística. Foi uma verdadeira “ostra ferida” que, no auge de sua dor, produziu as pérolas mais lindas!

Obra consultada para escrever esse texto:

Jala al- Din-Rumi, Mawlana.  Poemas Místicos / Rumi; Seleção de Poemas do  Divan de Shams-i Tabriz, trad. E intro. De José Jorge de Carvalho. São Paulo: Attar, 1996.

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