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Alguns de meus leitores devem ter observado que, de vez em quando, me dou ao direito de parar de escrever por um tempo. Motivo? Falta d...


Alguns de meus leitores devem ter observado que, de vez em quando, me dou ao direito de parar de escrever por um tempo. Motivo? Falta de coragem, falta de condições para  nocautear o leitor... Pois é. Um texto só faz sentido se, ao final, você conseguir nocautear o leitor. Isso é bem diferente de um conto ou novela que, a meu ver, possui pequenos nocautes ao longo do enredo e um gran finale na conclusão. Mas, isso é coisa pra gente grande!

Aproveitei o recesso escolar de julho para ler dois livros. Um deles diz respeito aos assuntos que abordo em sala de aula. Foi uma leitura instrumental; quase uma ferramenta de trabalho,  uma leitura importante apesar de chata e pouco prazerosa. Só conclui o livro por causa da vocação de samurai que carrego como fado. A escolha do segundo livro foi pura vagabundagem! Sua leitura tem sido uma forma deliciosa de gastar o pouco tempo que tenho. “Os cem melhores contos brasileiros do Século”. Ô trem bão, sô!  

Na leitura de um conto de João do Rio tive que recorrer ao dicionário um milhão de vezes! Estou, praticamente, reescrevendo o conto com minhas anotações! Quando eu passar dessa para melhor e esse livro for parar na mão de um preguiçoso, a metade do caminho para o seu entendimento já foi percorrido!   Mas, eu sei que, atualmente, a chance dele parar na ASCAMP (Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Pará de Minas), será bem maior! 

Em nosso tempo, quase ninguém liga mais para livros a não ser para livros de autoajuda ou os indicados pela mídia. Outro dia vi um “Guimarães Rosa” avaliado em dez reais e outro livro, cujo autor me recuso a nomear, sendo vendido por trinta pratas! Dá prá entender? Pois é. Sinal dos tempos! Estou pensando em mudar o meu foco. Percebo que uma das coisas vendáveis é o que alimenta a preguiça, tipo: Psicologia em dez lições! Freud em dez minutos... Vou sugerir ao meu amigo Leone para espremer Freud em dez minutos... Só milagre! E por falar em milagres, vejo que  há outro tipo de “literatura” que, atualmente, vende muito. Trata-se de temas religiosos. Mas, não é qualquer tema. São temas impactantes do tipo: - Saiba como fazer as pazes com seu anjo guardião ( nesse caso, a gente nunca sabe quem é mesmo o tal anjo guardião); Ou, Como arrancar Satanás de sua vida e conquistar a prosperidade (Nesse caso, só prospera economicamente quem faz  uma boa oferta à igreja x). Faz sucesso também um estilo de “literatura” com cheiro de incenso: Sinta em você mesmo a energia dos cristais... Cure a si mesmo apenas  assentando-se corretamente... A respiração correta e a mentalidade positiva curam até leucemia... Aqui também é preciso certo investimento.Incensos, sais, luzinhas coloridas...

O mundo nunca conviveu com tantas receitas de sucesso. Paga-se caro, atualmente, para participar de cursos que levam a isso. Nesse sentido também constatamos uma nova “literatura” bastante apreciada, sobretudo, no mundo empresarial. As palavras de ordem se multiplicam: expertise, pro atividade, sinergia... O que era “trampo” antigamente, hoje passou a ser “Job”. Job é uma palavra bonita para esconder o peso da palavra antiga, algo assim como passar maquiagem na velha para dar uma impressão de mocidade...  o que já foi  “entrega” tornou-se “delivery”;  a mademoiselle de antes passou a ser  rapariga e hoje são “as mina”, no Brasil. Fala-se, assim mesmo, “ as mina”. Parece um código moderno de linguagem onde concordância verbal não faz o menor sentido... E assim, a gente vai vivendo com a doce ilusão de que o mundo está melhor e a felicidade a um palmo do nosso alcance... Doce ilusão!

Sobre a felicidade nunca é demais lembrar um trecho do poema “Velho Tema”, de Vicente de Carvalho (1908):
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim : mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

Para finalizar essa minha reflexão de hoje  cito uma frase de Guimarâes Rosa, do Grande Sertão Veredas. Posso até não saber muito. Mas, duvido de muitas coias...

Posso aquietar meu temer de consciência, que sendo bem assistido, terríveis bons-espíritos me protegem. Com gosto… como é de são efeito, ajudo com meu querer acreditar. Mas nem sempre posso. Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. Todos puxavam o mundo para si, para o concertar consertado. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo...

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  1. Aí padre, como aceitar tanta coisa que fogem da nossa formação cristã ? Para muitos a felicidade está n onde não a pomos. E se aprendessemos que ela é tão fácil de se encontrar.... sorririamos muito mais....

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  2. Já estava sentindo falta dos seus escritos. É bom lembrar que uma literatura de verdade, nos ensina até psicologia. Eu, a exemplo de Guimarães Rosa, também,"quase que nada sei, mas desconfio de muita coisa..." Ah! Freud em 20 minutos, nem ele explica!

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  3. Sabias palavras Padre existe uma redução significativa no repertório literário dos brasileiros. Há uma tendência forte para aauto- ajuda das literatura religiosa. Esse é o gosto da maior dos brasileiros. A literatura de autores contemporâneo s é rara entre nós, infelizmente.Resumindo são maus leitores.

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  4. Que nocaute!
    Amei o "vocação de samurai"! Você é fantástico!

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  5. ..."Vou sugerir ao meu amigo Leone para espremer Freud em dez minutos... Só milagre! E por falar em milagres, vejo que há outro tipo de “literatura” que, atualmente, vende muito"..

    Que Jesus nos abençoe!

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