Complexo de vira latas

  Peço a Deus que eu não seja afetado pelos modismos da linguagem, afinal trabalho no rádio onde o que mais importa é uma linguagem informal...

 


Peço a Deus que eu não seja afetado pelos modismos da linguagem, afinal trabalho no rádio onde o que mais importa é uma linguagem informal, pois não interessa aos ouvintes escutar  mais um daqueles discursos de “Odorico Paraguaçu”. Odorico Paraguaçu foi o personagem de Paulo Gracindo da novela “O Bem Amado” (1962), de Dias Gomes. Abaixo vão algumas “pérolas” do referido personagem:

"Isto deve ser obra da esquerda comunista, marronzista e badernenta"

"Quem é que pode viver em paz mormentemente sabendo que, depois de morto, defunto, vai ter que defuntar três léguas pra ser enterrado?"

"Se eleito nas próximas eleições, meu primeiro ato como prefeito será o de cumprir o funéreo dever de mandar fazer o construimento do cemitério municipal."

"Calunismos. Eu também sou meio socialista. Não da ponta esquerda... do meio de campo, caindo pra direita!"

"Como diria o rei dos persas, Dario Peito de Aço, pra cada problemática tem uma solucionática. Se não disse, perdeu a oportunidade de ser citado por mim".

E assim, de “construimento” à solucionática” Odorico causava boa impressão aos seus eleitores, a maioria analfabeta de pai e mãe. Os seus discursos eram uma perfeita “lacração” para usar uma palavra da moda.

Confesso que, ultimamente, ando cansado de algumas palavras do tipo: Resiliência, normativas, commodities, coaching, networking, expertise... Por que será que a gente gosta tanto de inventar moda? Porque não falar “rede de relacionamentos” em vez dessa palavra feia “networking”? Porque não falar de “conhecimento técnico” em vez de “expertise”?

Essa tentação de complicar as coisas para causar boa impressão é bem antiga. Não estou me referindo aos discursos dos ministros do supremo. Esses valeriam um texto à parte. As coisas acontecem bem mais perto de nós! Leia o que ouvi, certa vez, num  noticiário policial:

 “O meliante evadiu-se da área adentrando na casa de sua própria genitora”...

Trocando em miúdos a notícia poderia ter ficado assim:  “O bandido deu no pé e correu para debaixo da saia da mãe”...

Ao ouvir aquela “sabedoria encarnada” fiquei imaginando se o ouvinte iria entender a notícia. Um ou outro, talvez, pudesse até pensar que o tal locutor fosse um “poço” de sabedoria, assim como alguém pensa a respeito dos ministros da suprema corte...

Cada época tem os seus modismos. Você já observou como entraram, de cheio, em nosso vocabulário alguns estrangeirismos? Tem gente que prefere mil vezes dizer “coffee break” a pausa para um cafezinho... Vale dizer que esses estrangeirismos só valem para o inglês! Você já ouviu em algum congresso alguém trocar a palavra astúcia pela palavra “catimba”?  Catimba e caxumba vieram do mesmo tronco linguístico africano. Mas “caxumba” passou por um branqueamento nos consultórios médicos. Por isso, ninguém se assusta com o uso dela. Quanto à catimba... Será que alguém ainda teria coragem de trocar a palavra “residência” pela palavra “cafofo” ou “cafua”? Verdade seja dita: Nós sempre sonhamos com a casa grande e nos esquecemos dos nossos ancestrais nas senzalas!  Gostamos de “macaquear”, ou seja, adotar os modismos de nossos dominadores.  Oh, my God, quem nos livrará desse complexo de vira-latas?

Imagem de damita118 por Pixabay 

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  1. Valorizamos demais o santo de fora. Lá nos Estados Unidos acredito que não usam nossa língua pra tornar a comunicação "chique". Tem algumas matérias que pra entender o dicionário tem que estar do lado. Boa reflexão padre!

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  2. Gostei da reflexão me fez rir um pouco o senhor sabe ligar o útil ao agradável e passa mensagem certa

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  3. ..."Vale dizer que esses estrangeirismos só valem para o inglês! Você já ouviu"...
    Padre Gabriel, o senhor é muito engraçado e corajoso,pois realmente, existem gente metida a apresentar aquilo que não é.

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  4. Muito engraçado padre Gabriel. O 🐕👋👋👋👋

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