O administrador que mudou de postura
Para entendermos a parábola de Jesus, presente no Evangelho de Lucas, (Lc 16, 1-13) precisamos esclarecer algumas questões: Jesus não ...

Para entendermos a parábola de Jesus, presente no Evangelho de Lucas, (Lc 16, 1-13) precisamos esclarecer algumas questões:
Jesus não elogia a desonestidade do administrador. Ele foi comparado aos “filhos deste mundo” o que equivale à expressão, filho das trevas;
Diante de Deus todos somos pobres. Só Ele é rico e é o dono de tudo. O que conquistamos e “possuímos” foi dom de Deus;
Todos somos administradores e, antes de qualquer empreendimento, administramos a própria vida. Não somos donos de nossa existência, pois, ela nos foi dada por Deus durante um tempo limitado. Um dia teremos que prestar contas dela, do que fizemos ou deixamos de fazer...
O administrador, ao perceber que sua gestão chegava ao fim, mudou de postura para angariar amigos que, no futuro, pudessem acolhê-lo. Assim como Deus é o grande doador ele também passou a doar aquilo que seria sua comissão. Diante disso, Jesus afirma que os filhos da luz, os seus discípulos, deveriam usar essa “astúcia” para as coisas de Deus. Colocando-se, a serviço dos mais pobres iriam angariar amigos para recebê-los no céu, ao final de suas vidas.
O Evangelho citado nos permite refletir sobre as ilusões das riquezas. A terra, por exemplo, está aí, há milhões de anos. Num determinado momento alguém lhe cerca um pedaço e se diz dono dele. Se tivesse boca, a terra riria dessa pretensão infantil. O homem que cercou a terra irá morrer, assim como outros, que também acreditarão serem donos dela, igualmente, morrerão enquanto ela permanecerá... Ilustra bem, essa ilusão de riqueza, “o homem de negócios”, personagem do livro: O Pequeno Príncipe. Veja essa parte da conversa:
O quarto planeta era habitado por um homem de negócios. Estava tão ocupado que não levantou sequer a cabeça à chegada do príncipe. Qualquer semelhança conosco não será mera coincidência...
– Bom dia, disse-lhe o principezinho. O
seu cigarro está apagado.
– Três e dois são cinco. Cinco e sete,
doze. Doze e três, quinze. Bom dia. Quinze e sete, vinte e dois. Vinte e dois e
seis, vinte e oito. Não há tempo para acender de novo.
Vinte e seis e cinco, trinta e um. Uf !
São, pois quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e dois mil, setecentos e
trinta e um.
– Quinhentos milhões de quê?
– Hem? Ainda estás aqui? Quinhentos e um
milhões de… eu não sei mais … Tenho tanto trabalho. Sou um sujeito sério, não
me preocupo com ninharias! Dois e cinco, sete…
– Quinhentos milhões de quê? repetiu o
principezinho, que nunca na sua vida renunciara a uma pergunta, uma vez que a
tivesse feito.
O homem de negócios levantou a cabeça:
Há cinquenta e quatro anos que habito
este planeta e só fui incomodado três vezes.
A primeira vez foi há vinte e dois anos,
por um besouro caído não sei de onde. Fazia um barulho terrível, e cometi
quatro erros na soma. A segunda foi há onze anos, por uma crise de reumatismo.
Falta de exercício. Não tenho tempo para passeio. Sou um sujeito sério. A terceira…
é esta! Eu dizia, portanto, quinhentos e um milhões…
– Milhões de quê?
O homem de negócios compreendeu que não
havia esperança de paz:
– Milhões dessas coisinhas que se veem
às vezes no céu.
– Moscas?
– Não, não. Essas coisinhas que brilham.
– Abelhas?
– Também não. Essas coisinhas douradas
que fazem sonhar os ociosos. Eu cá sou um sujeito sério. Não tenho tempo para
divagações.
Ah estrelas?
– Isso mesmo. Estrelas.
– E que fazes tu de quinhentos milhões
de estrelas
– Quinhentos e um milhões, seiscentos e
vinte e duas mil, setecentos e trinta e uma.
Eu sou um sujeito sério. Gosto de
exatidão.
– E que fazes tu dessas estrelas?
– Que faço delas?
– Sim.
– Nada. Eu as possuo.
– Tu possuis as estrelas?
– Sim.
– Mas eu já vi um rei que …
– Os reis não possuem. Eles “reinam”
sobre. É muito diferente
– E de que te serve possuir as estrelas?
– Serve-me para ser rico
– E para que te serve ser rico?
– Para comprar outras estrelas, se
alguém achar.
Esse aí, disse o principezinho para si
mesmo, raciocina um pouco como o bêbado – No entanto, fez ainda algumas
perguntas.
Como pode a gente possuir as estrelas?
De quem são elas? Respondeu ameaçador, o
homem de negócios.
– Eu não sei. De ninguém.
– Logo são minhas, porque pensei
primeiro.
– Basta isso?
Sem dúvida. Quando achas um diamante que
não é de ninguém, ele é teu. Quando achas uma ilha que não é de ninguém, ela é
tua. Quando tens uma ideia primeiro, tu a fazes registrar: ela é tua. E quanto
a mim, eu possuo as estrelas, pois ninguém antes de mim teve a ideia de as
possuir.
Isso é verdade, disse o principezinho. E
que fazes tu com elas?
Eu as administro. Eu as conto e reconto,
disse o homem de negócios. É difícil. Mas eu sou um homem sério!
O principezinho ainda não estava
satisfeito.
Eu se possuo um lenço, posso colocá-lo
em torno do pescoço e levá-lo comigo. Se possuo uma flor, posso colher a flor e
levá-la comigo. Mas tu não podes colher as estrelas.
Não. Mas eu posso colocá-las no banco.
Que quer dizer isto?
Isso quer dizer que eu escrevo num
papelzinho o numero das minhas estrelas.
Depois tranco o papel a chave numa
gaveta.
– Só isto?
– E basta…
É divertido, pensou o principezinho. É
bastante poético. Mas não é muito sério.
O principezinho tinha, sobre as coisas
sérias, ideias muito diversas das ideias das pessoas grandes.
– Eu, disse ele ainda, possuo uma flor
que rego todos os dias. Possuo três vulcões que revolvo toda semana. Porque
revolvo também o que está extinto. A gente nunca sabe.
É útil para os meus vulcões, e útil para
a minha flor que eu os possua. Mas tu não és útil às estrelas…
O homem de negócios abriu a boca, mas
não achou nada a responder, e o principezinho se foi …
As pessoas grandes são mesmo extraordinárias, repetia simplesmente no percurso da viagem.
O que você achou desse “homem de negócios”? Ele seria mesmo dono de tudo isso que vê? Quantos homens de negócios você conhece atualmente? Ele é um homem sensato ou um cogumelo?
No Evangelho citado Jesus elogiou o administrador, pois, ainda que movido pela astúcia, ele abriu mão de algo em benefício de outro. Se a pobreza é condição fundamental para acolher a salvação de Deus a riqueza, não colocada a serviço do Reino, é um grande obstáculo nesse caminho para o céu. Foi ela que impediu o jovem rico de atender ao chamado de Jesus (Mc 10, 17 – 22). O “homem de negócios” citado no livro de Saint-Exupéry é um personagem digno de pena. Ele que não é dono nem da própria vida crê possuir todas as estrelas.
Foi
Deus quem me deu a vida e um dia a tomará de volta. Nesse curto espaço de tempo
que me foi dado viver, acolho tudo como dom, na esperança de que um dia Deus me
receba novamente. Em razão de minhas fraquezas não terei muito para apresentar
a Ele no dia da prestação de contas. O que conto, mesmo, é com sua
misericórdia.
Imagem de Gerd Altmann por Pixabay
Que lindo foi a construção deste texto Padre! E teve também o capricho de escolher uma música com a letra que fechou muito bem a intenção da mensagem.
ResponderExcluirFalta de temor a Deus são mesmo os ganancios! É não entender que estamos aqui na terra apenas de passagem, e nada nem ninguém nos pertence.
Não tenho muito mais a comentar porque o Senhor foi muito feliz, ao escolher a passagem do livro, e explicou o evangelho de forma poética, que tocará a sensibiliade, e deverá levar à boas reflexões.