O Coronel e o Lobisomem - Comentário

  Para refrescar minhas ideias li, recentemente, “O Coronel e o Lobisomem”, livro publicado por José Cândido de Carvalho em 1964. José Candi...

 


Para refrescar minhas ideias li, recentemente, “O Coronel e o Lobisomem”, livro publicado por José Cândido de Carvalho em 1964. José Candido nasceu em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, em 1914 e faleceu em Niterói em 1989 onde foi escritor, jornalista, redator, advogado. Em 1939 publicou o seu primeiro romance: Olha pro céu, Frederico!  e em 1964, publicou   “O Coronel e o Lobisomem”.  Esse livro causou grande impacto quando lançado. O autor foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, ocupou a cadeira n.º 31.  O texto conta a história de Ponciano de Azevedo Furtado, dono de fazendas de gado do interior fluminense, que atraído pela vida da cidade e pelo comércio, emigrou para Campos de Goytacazes. Não conseguindo se integrar ao meio urbano, perdeu toda sua fortuna. Na obra, Ponciano narra sua própria história, inclusive uma espécie de loucura ao final.

Uma das coisas que chamou a minha atenção no livro foi o grande número de personagens que aparecem no texto, ao todo contei 105, incluindo um galo, o  Vermelhinho Pé de Pilão e um Ururau (Jacaré).

Outra curiosidade são as palavras singulares colocadas nas bocas dos personagens: Vou elencar algumas abaixo para você ter uma ideia:

Ciganagem, fazer ironização, defeitura, segredagens, debochista, pormenorizagens, devocioneiro, boatismos, talqualmente, trafegagem, soberboso, subalternista, tomar estado, mulatista, finalmência, prestância, mulherista, brutezas, caçoísmo, rabulice, pratrasmente, galista, emgambelo, revigorativos, severitudes, farreagem, menasmente, sem-vergonhista, recatoso, cavername, pessoinha, acordamento, exageração, inventoria, suspiroso, tristura, vingancista, embezerramento, donzelice, tristoso, ensabonetada, galhofismo, sermonista, mulatista, donzelismo, recatoso...

Gostei muito de algumas frases usadas pelo autor e também faço questão de elencá-las abaixo:

Em calçada militar paisano não passa,

Mercadoria de aromar distâncias,

Feliz de não caber nas botinas,

Sustentar burro a pão de ló ( mais fácil que custear a imprensa...)

Um vestido da brancura das garças... Sobre a Menina Cerqueira que lhe foi apresentada por Dona Esmeraldina.

A menina pode vir todo rabo de semana,

O doutor devia andar montado em lombo de onça,

Por dentro o sacaneta era felicidade, do rabo ao cangote enfeitado de pó de arroz. Do lado de fora Seabra era todo veludinho (o gerente do banco),

Seabra era capaz de tirar muletas de aleijado,

Não foi à toa que cresci em formato de palmeira, seu doutor...

Belchior estava de olho encanado no correntão do meu relógio,

Prometi colocar no rosto dele um par de cangalhas novas (Óculos),

O mulato valia ouro em pó,

Ponciano vazava por dentro (chorava),

Na bochecha espantada do caixeiro, fiz o cipó assobiar de cobra e vento (surrou-o),

O tal coronel vai chiar sem ser cigarra... (ameaça do advogado),

Fiz toda a viagem em relâmpago... andava em leveza de passarinho,

O mundo é um saco de pecados, cada um arrasta a sua penitência,

Eu andava montado em ódio de cobra velha,

Melhor engorda do boi é o olho do dono,

Nesse quarto, dá presença, assombração cheirosa,

O carnegão pulou feito rolha de jinjibirra (bebida fermentada) em viagem de quatro braças,

Visagem anda sem pé e voa sem asa,

O curador nem em picada de Mangangá dava concerto (abelha),

É pança demais para um coronel, só!

Diga ao compadre que macaco não rejeita banana,

Sou muito inventismo, um danado de fazer render uma parolagem – fio de cabelo vira corda no meu trançado...

 Faço questão de destacar também algumas frases carregadas de sensualidade sem vulgaridade:

Dona Alonsa dos Santos era guarnecida do mais vistoso par de popas que ele tinha deitado vistas,

A mestra de Letras (Isabel Pimenta) apresentou aquele riso de moça nova e juro que senti seu bafo de flor na sala toda,

O vestido dela, de branco tecido, apertado na cintura e fofinho nas partes de baixo, tomava conta do sofá,

( A sarará Nazaré – afilhada de Francisquinha) posta a roupa no varal, saiu em altivo porte, com uns balançados de sacudir os debaixos do vestido. Coisa de tal acabamento merecia uma retorcida de barba,

Preparando o cavalo para Nazaré -  Lá foi embora aquele rabão de saia em lombo de cavalo e eu sem força para embargar a viagem. Estipulei que a sela mais sedosa fosse arrumada no seu debaixo – uma coisa bem nascida, de lindosos recheados. Um alisador de cadeira como o dela fornido de grandes partes, não era de meu agrado que sofresse danos e agravos em navegação de pata dura...

Dona Esmeraldina - Cintura de louva-a-deus e um alisador de sofá de vistosas almofadas.

 Em ponta de pé, atrás de dona Esmeraldina, eu ganhava o jardim pelos corredores, sem testemunha de acusação, eu podia apreciar o vai e vem que os por baixos da moça faziam nos panos Era um tremido de chamar safadeza, de levantar o ânimo mais desgastado.

Ainda sobre Esmeraldina: Debruçado na varanda consolei a moça (que reclamava do marido Nogueira que só pensava na política). Por descuido meu cotovelo calhou de empacar junto do braço dela. Como não rejeitasse a vizinhança, fiquei em sossego, no aproveitamento da quenturinha que vinha do encostado.

Nessa postura, a um suspiro da moça, eu recebia os benefícios de suas águas de cheiro e poderia contar até as penugens do cangote de leite que eu tinha na minha frente.

Dona Bebé – Vi logo que essa dona Bebé de Melo era da raça das tanajuras – o fininho da cintura servia de ligamento entre os fornidos de cima e as abundancias de baixo,

A mocinha Cerqueira – Perto do canteiro de cravos. Nisso, de uma touceira de samambaia, pulou na ponta do sapatinho dela uma perereca-tinhorão. No susto, a moça recusou seus atrasados bem rente das minhas intimidades, na justa parte central do coronel.

Enquanto dona Mocinha (Cerqueira), meio recurvada, labutava em tirar uns beijos-de- frade do seu covil, vislumbrei, pelos folgados da blusa, dormindo em bercinhos de renda e fofinhos de pano, aquele dois mimosos particulares dela arrematados em feitio de botão de rosa. Pelo visto, ninguém nem dedo de homem ou beicinho de criança, havia ainda trabalhado esses compartimentos que só tinham a crescer com o uso e os abusos.

Merece destaque no texto algumas figuras mitológicas ou ligadas às supertições populares e alguns animais de estimação:

Lobisomem, sereia, ururau (jacaré grande),  surucucu pico-de-jaca... o galo Vermelhinho Pé de Pilão, O sabiá laranjeira, um pé de jaca de estimação...

O Coronel, homem prá mais de metro, goza de boa patente e alto orgulho. Ele aconselha todo mundo e se acha entendido nas questões amorosas, embora nunca conseguisse arrumar uma esposa ou companheira. Despacha com todos, enfrenta os desembaraços dos outros, mas, acaba todo embaraçado por causa de uma paixão platônica por Dona Esmeraldina. Apesar de ser durão e ter patente militar confessa sua sensibilidade:  

“Afundei na estrada, na apreciação de uma beleza e outra. Sou de coração muito humanal e não tenho olho só para benfeitorias de pasto e curral. Sei apreciar uma boniteza de planta, uma asinha de borboleta e ninguém, nestes anos todos de minha ida, fez injustiça contra os passarinhos do meu céu e dos bichos de meus matos. Por isso, na vadiagem pelos ermos de major, parei na vistoria de uma ninhada de lírios que bebia água choca de um mangue de mau caráter. E estava eu no admiramento desses mimosos quando, do lado onde sumiu o vaca-braba do campeiro, senti os passos...” (pp. 353).

A leitura de “O Coronel e o Lobisomem” despertou em mim o desejo de comparar a obra de José Cãndido de Carvalho com Dias Gomes, Guimarães Rosa e Mia Couto. O leitor deve pensar que estou sonhado e eu devo estar sonhando mesmo. Mas, vamos sonhar juntos? Por enquanto, o sonho é de graça!

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  1. Esperei por um momento tranquilo para apreciar mais esta leitura, porque percebi que era uma coletânea de apreciações que o Senhor fazia de um livro que diferenciava pela sensibilidade criatividade do escritor.
    Claro que desperta o desejo de ler mais seus livros, que surpreende em ser assemelhado a outros grandes escritores, e merecedor de estar na galeria da acadêmia brasileira de letras.


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