Retrato Pintado

  Eu não sei como eles faziam aquilo mas, que davam um jeito nas caras amarrotadas isso era fato e não fake. De vez em quando, aparecia no A...

 


Eu não sei como eles faziam aquilo mas, que davam um jeito nas caras amarrotadas isso era fato e não fake. De vez em quando, aparecia no Arraial, um artista andarilho que se oferecia para ajeitar os retratos da família. Naquele tempo, nem de longe, havia os recursos de hoje. A coisa era feita à mão! O moço vinha não sei de onde, pegava os retratinhos 3 por 4 e sumia com os mesmos. Tempos depois aparecia trazendo as “obras de artes” que seriam dependuradas na parede da sala. O cara fazia milagres! Punha cabelos onde não havia, vestia o noivo com paletó e gravatas, punha flores nas mãos da noiva... Não sei como ele fazia tudo aquilo mas, a satisfação era garantida e ninguém pedia o dinheiro de volta, afinal, quem não gostaria de dar uma arrumada na cara para a posteridade?

Nas fotos que iam para as paredes ninguém sorria. Ao que parece, era proibido mostrar os dentes. Às vezes, a obra de arte vinha bem melhor que a foto original. Se o cara era meio careca vinha com farta cabeleira e se a noiva era caolha vinha com todos os olhos no lugar. Zé Colombo virou uma arara, certa vez, porque no retoque da imagem de sua mulher tiraram a pinta que ela tinha ao lado do queixo. Era uma pinta que sobressaia à pele pois, deu de aparecer sobre uma verruga formando uma pequena lombada na parte esquerda do rosto. Por causa dessa pinta ela ganhara até um apelido: Dona Pinta do Zé Colombo. Ninguém sabia de onde viera aquela alcunha. Sabiam que ela possuía duas irmãs: Maria e Nina. Daí a pular para as três caravelas foi um salto. Passaram a ser conhecidas como Santa Maria, Pinta e Nina. Por pouco ele não foi chamado de Cristóvão Colombo e, nesse caso, só faltava descobrir a América.

O moço que fazia os retratos pintados tinha de tudo em seu baú, de biotômico fontoura, a remédio para mordida de cobra... Naquele tempo, as cobras mordiam mesmo. Chegavam a arrancar pedaços! Minha mãe que sabia atirar não perdoava uma. Era só ver uma jiboia mais assanhada e mandava chumbo nela. Preocupação com meio ambiente nem sonhava em nascer. A preocupação era com o prejuízo que a tal jiboia daria comendo os frangos do galinheiro.

Além de arrumar os retratos da família o mascate também vendia quadros de santos. Acho que minha mãe esvaziou o céu naquele tempo. Que santa é essa? A vizinha, curiosa, perguntava. Nem minha mãe sabia. Tinha que olhar o nome da santa na parte inferior. – É Santa Bárbara! É só observar a espada em sua mão, dizia minha mãe, disfarçando o seu embaraço por não saber o nome da santa. Além da Santa Bárbara que alguns diziam Santa Barba, havia Santa Luzia, São Bento, São João e muitos outros. Cada santo cumpria uma obrigação junto àquela família. Cada um atendia dentro de uma repartição.

O tempo passou depressa e dos retratos pintados só restaram lembranças. O mesmo aconteceu com muitas devoções populares. Acho que alguns santos ficaram desempregados pois, ao que parece, poucos se lembram deles. Talvez, porque nos afastamos da natureza com seus perigos e ameaças. Quem já enfrentou chuva brava com raios e trovoadas dificilmente se esquece do papel importante de Santa Bárbara. O mesmo acontece com São Bento que vigiava contra as cobras venenosas. Hoje a moçada só vê cobras na Netflix e essas já perderam o veneno faz tempo...

Imagem: Gerada a partir de IA


Related

Crônicas 7712493185236138061

Postar um comentário

  1. Que leitura gostosa, num exato momento que estou fazendo relato da historia dos meus avós. Apesar de não ter conhecido meu avós paternos e nem meu avô materno, tive a honra de viver 18 anos com as maravilhas da minha avó materna. Venho de uma familia numerosa onde meus avôs tiveram 15 filhos, 45 netos , 68 bisnetos e 19 tataranetos, se tivessem vivos nesta data. Como lembro deste quadros nas casa antigas, algumas têm ate hoje.

    ResponderExcluir
  2. Padre Geraldo Gabriel, obrigada pelo texto muito gostoso de ler... Era isto mesmo, o homem chega com um baú cheio de remédios... Levava os retratos depois chegava com fotos. Toda família novinha, quadros de Santos e muito mais, minha sogra falava que sua cara na foto tava longe de ser ela própria... Mas que ficou novinha ,ficou! Kkk

    ResponderExcluir
  3. Padre, o tempo tem mesmo acelerado várias mudanca, como citou no texto, as fotos de familia, que era caro tê-las, e as modificações, poderiam agradar ou não.
    Despertou em mim fazer um comentário de como temos assistido mudanças rápidas acontecer, consequência direta do mundo tecnológico que vivemos.
    O jovem italiano Carlos Acutis, morreu com 15 anos de Leucemia em 2006, e já foi canonizado em 7 de setembro de 2025, por ter sido comprovado a Ele dois milagres.
    Foi usando a internet para divulgar a fé católica que acelerou o seu reconhecimento como santo da era digital - influencer de Deus.
    Está assim os tempos modernos, tudo muito rápido.
    Podemos ter saudosismo, mas como se diz; a fila tá andando, melhor encarar as dificuldades, e não reclamar. A inteligência Artificial é uma amostra do que vem pela frente.

    ResponderExcluir

Deixe aqui seu comentário

emo-but-icon

Siga-nos

dedede2d

Vídeos

Mais lidos

Parceiras


Facebook

item