O Braço Direito: Livro de uma vida inteira!
A frase que intitula esse artigo é do escritor Antônio Cândido, sobre o livro de Otto Lara Resende, chamado: “O Braço Direito”. “A sensa...
A frase que intitula esse artigo é do escritor Antônio Cândido,
sobre o livro de Otto Lara Resende, chamado: “O Braço Direito”. “A sensação que nos traz a leitura desse
romance é a de um texto irretocável. Uma narrativa que beira a perfeição. Cada
frase parece ser um diamante lapidado. Otto sabia que esta era a sua
obra-prima, embora tivesse já publicado extraordinários livros de contos”,
afirma a romancista Ana Miranda, no posfácio do livro.
Otto Lara Resende é mineiro, natural de São João del-Rei. A primeira
edição do livro em questão, data de 1963. Otto nasceu em 1922 e morreu no Rio
de Janeiro em 1992. Em seu texto ele recria o ambiente de Lagedo, cidade fictícia,
próxima a São João del-Rei.
O nome do livro já é bastante sugestivo. “O Braço Direito,”
parece referir-se, a uma imagem lendária de Cristo que, em terras de Espanha, soltou
da cruz o braço direito, para absolver um penitente que teve a absolvição de
seus pecados negada por um padre.
Laurindo Flores, personagem narrador, lembrou-me Riobaldo, outro
personagem de Guimarães Rosa, que também narrou o Grande Sertão Veredas para um
doutor da cidade. Enquanto narram uma história deixa transparecer suas dores,
medos e angústias. Nesse ponto os dois personagens se parecem bastante.
O narrador Laurindo Flores perdeu o pai, ainda criança e
passou a morar num orfanato onde presenciava o grande sofrimento dos garotos,
em sua maioria, pobres. No livro ele recria toda a atmosfera religiosa de
Minas, e menciona também os conflitos entre religião e grupos políticos que
querem neutralizar o poder da Igreja Católica. Otto Lara Resende é um frasista.
Em seu texto deixou-nos algumas perólas do tipo: “do zero ao infinito tudo é
mistério” e “O mundo foi criado por Deus. Mas quem o administra é o Diabo”.
O braço direito se passa
no Asilo da Misericórdia, num antigo arraial que ele chama de Lagedo, na área
de mineração do ouro. Quem conhece a história da Misericórdia sabe o peso que
tem. Era uma irmandade que, desde os tempos coloniais, reunia poderosos e ricos
para um trabalho de caridade – cuidar de órfãos, viúvas, prisioneiros e
enfermos – mas com a intenção de tomar da Igreja o domínio de alguns
privilégios e se apossar de parte do poder social dos padres. Num casarão
prestes a ruir, a ser vendido, a se acabar, o orfanato “guarda risos e
lágrimas”, diz o narrador do livro. “Abrigou vidas felizes, mais ou menos
públicas, e desgraças ocultas sufocadas no silêncio”. Ali vivem meninos
desventurados, tratados aos safanões, surras e cascudos, que recebem
assistência, mas sofrem da hostilidade de famílias locais. Passaram por
tragédias ou dramas, como a de Boi Manso, que assistiu à morte da própria mãe
após se envenenar e atear fogo às vestes. Ou Zeferino, que caiu numa fossa aos
três anos de idade e ficou corcunda. (1)
Ainda sobre esses órfãos desamparados o narrador afirma: “Meninos
banquelas, caolhos, manquitolas, atarracados, tomados pelo fogo do desejo (...)
Vestidos de molambos, o mais bem nascido é filho da ventania e neto da trovoada...”
(Pg 305).
Sobre alguns personagens que aparecem no texto podemos destacar:
Coronel Antônio Pio – Chefe político da região e
benfeitor do asilo (violou uma menina menor de idade na Fazenda Concórdia);
Provedor: Ambicioso dono de terras.
Padre Bernardino: Caçador, amante de armas de fogo,
hipnotizador e sempre rusguento;
Marieta do Riachinho: Dá notícias da cidade inteira e
gosta de frequentar a tenda espírita pois facilmente fica impressionada com
tudo;
Bela Calu: Fala sozinha, tira a roupa na praça
e entra em transe pelas ruas de madrugada;
Matilde: Dama virtuosa de boa linhagem.
Baronesa que mora num palacete e gosta de fazer boas ações.
O romance “O Braço Direito” deveria ser lido por todos os
interessados em conhecer esse Brasil profundo com o nome de Minas Gerais, onde
o ouro existe mas fica bem escondidinho na barriga das serras. O livro traça um
perfil dos mineiros destacando principalmente nossa religiosidade onde o tempo
costuma ser demarcado pelo repicar dos sinos. Trata-se de uma leitura
agradável, onde o trágico se mistura com o cômico, o histórico nos vem recheado
de superstições e fantasias. Vale a pena ler!
Imagem: Criada a partir de IA.




Padre, ofereceu neste texto apenas um aperitivo para leitura do livro deste grande escritor.
ResponderExcluirDeve realmente ser uma interessante leitura, porque o Senhor tem propriedade para dar boas indicações, afinal tem prazer em garimpar bons livros.
Se possível for, escreva mais, já que tem muita facilidade em fazer boas observações e sinteze de suas leituras.
A música pareceu muito apropriada para o tema do livro.