A sina de Eva
Ao que parece, nada era proibido no mundo de Elvira. Elvira era o nome da “pestinha”. Menina endiabrada que no desassossego da infância...

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Ao que parece, nada era proibido no mundo de Elvira. Elvira era o nome da “pestinha”. Menina endiabrada que no desassossego da infância sonhava com o proibido. Onde ninguém ousava ir era seu passeio predileto e, correr riscos, era sua diversão. D. Eva desiludida da vida há muito deixara de reclamar. E de que adiantava? Nem Deus queria mais saber dela. Em momentos de desespero, lembrava de do lugar em que nascera. Diziam que o lugarejo havia sido amaldiçoado por um padre, antigamente. Mas, disso ninguém falava com profundezas. O certo é que ela estava ali, padecendo os desgostos ocasionados por Elvira. Às vezes, pensava ser mesmo um castigo. Mas, seria honra demais. Como Deus poderia distingui-la entre milhões para castigá-la? Não. Definitivamente não merecia tanto!
Eva seguia ruminando pela estrada a fora indiferente ao mundo doloroso de Elvira que acabara de se estrepar num arame farpado. Bem feito, pensou. Quem a mandou ser tão custosa? Depois, arrependida pediu perdão em silêncio. Mãe é mãe, dizia-lhe um restinho de consciência moral adormecida.
Nunca revelou a Elvira o nome de seu verdadeiro pai. Ela mesma tinha dúvidas com relação a isso. Talvez, fosse o capataz da fazenda onde seu pai prestava serviços. Ele era lindo como nunca! Falava meio assoviado, olhava de esgueio e possuía muita firmeza nas pernas. Mas, podia ser o outro também. O outro tinha o estranho apelido de gaivota. Seu nome de batismo nunca soube de verdade. Viera da cidade passar férias na fazenda. Ele se parecia a um príncipe! E como sabia falar bonito! Pronunciava todos os “fs” e “rs” de uma palavra. Gaivota era o apelido perfeito para quem surgia do nada fazia muito barulho e sumia de repente...
Os traços de Elvira, entretanto, denunciavam outra pessoa: Daniel, o filho do leiteiro. As sobrancelhas de ambos eram grossas e topavam logo acima do nariz. Daniel era um anjo e como anjo sonhava voar alto. Queria ser engenheiro da estrada de ferro. Com anjo não se brinca, mas, com Daniel Eva brincou muitas vezes! O saldo agora estava ali: Elvira. O “el” da menina era o mesmo de Daniel. Por causa da dúvida já mencionada, preferiu colocá-lo no início do nome. Daí surgiu Elvira, um nome bonito para filha de pai incerto.
Agora pouco importava quem fosse o pai. A menina já estava mocinha. Pai é quem cria e quem a criou sozinha foi ela. Por isso, era pai e mãe da desnaturada. Chegou até a levá-la num benzedor. O mau comportamento podia ser resultado de inveja ou olho gordo. Mas, que motivos ela teria para causar inveja em alguém? O locutor do rádio é que estava certo. Era fase de idade. Adolescência! Um nome bonito para falar de quem já não fosse criança embora ainda não fosse adulto. Era o caso de Elvira que às vezes se parecia criança a correr atrás das bonecas, às vezes adulta a correr atrás dos rapazes... Meus Deus! Se fosse sina que viesse logo. Os traços do destino de cada um ninguém pode mudar. Não foi exatamente isso, que disse uma cigana, certa vez?
Sina ou não, Eva acabou sendo avó, antes mesmo da viagem sonhada para Goiás. Agora, cheia de sorrisos escolhiam um nome para o netinho. Eva queria um nome de artista, Elvira o nome do pai. Foi quando a dúvida surgiu novamente. Acendera velas para tantos santos e não sabia de qual viera a graça. Mas, isso não era importante. O neto de Eva era uma gracinha!