Cristo de ray-ban
No quesito beleza física, ele definitivamente, não tirava o primeiro lugar. Mas, paciência, a verdadeira beleza está do lado de dent...

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No quesito beleza física, ele definitivamente, não tirava o primeiro lugar. Mas, paciência, a verdadeira beleza está do lado de dentro, pelo menos era isso, que dizia Dona Elena, sua mãe. Somente, de vez em quando, batia aquela ruindade no peito de Tião. Não sabia direito o que queria, mas, claramente, sabia que não gostava de ser vesgo e ter crespos os cabelos. Pô, mãe não há pente que aguente! – reclamava com insistência o primogênito da família. Dona Elena, calejada pelos trabalhos não via a hora de cumprir sua promessa. Hoje, estava com seis filhos e cada um tinha uma personalidade. Alguns eram mais espevitados e outros nem tanto.
O caso do Tião era único. Por pouco o menino não morrera de pneumonia na infãncia. Dona Elena gastou um mês só para aprender o nome da tal doença: “Pneu-armonia”, “Purmunia”; qual seria mesmo o nome da bendita doença meu Deus? -perguntava para si mesma quando rumava em direção à capela do povoado.
Na comunidade todos sabiam de sua promessa, mas não achava jeito de encaixar as coisas. Tião teria que ser crucificado como Jesus, durante a semana santa! Mas, não seria algo de verdade. Seria apenas um “tiatro”, assim dizia dona Elena, cheia de inquietações. Passava uma semana santa, chegava outra e a promessa ia sendo cada vez mais adiada. Até que enfim, alguém apareceu com a solução. É simples, gente, bota no Cristo óculos escuros! Alguns acharam a ideia estranha e protestaram. Isso nunca! Como crucificar um Cristo que não tivesse cabelos encaracolados e olhos azuis? Depois de muito bate boca chegaram a uma solução. Já que ninguém havia conhecido Jesus de verdade, poderiam muito bem crucificar o Tião de “ray-ban”. Assim a vesguice do moço seria disfarçada. Mas, e o cabelo? – que é que tem o cabelo? – alguém perguntou. Uai, você já viu um cristo de cabelo arapoado assim? –murmurou outra pessoa do teatro. O cabelo do Tião, subia em vez de descer. Como poderiam crucificar um jesus de cabelo tão assanhado? À beira de um ataque de nervos Tião ouvia tudo e, nem sempre concordava com as ponderações. Finalmente, venceu a sensatez. Marialva, a balconista ruiva, também havia feito uma promessa de doar os cabelos para o hospital do câncer. Naquele instante mudou-se de idéia. Para quê fazer esse sacrifício para um desconhecidos se bem perto dela havia alguém necessitado de sua ajuda? Além disso, ia fazer o papel de Nossa Senhora. O véu cobriria sua cabeça pelada. Do pensamento a ação foi um pulo. No outro dia chegou careca na casa de Dona Elena. Nas mãos, como se exibisse um troféu, um par de tranças ruivas! Dona Elena não se conteve e caiu em lágrimas. Até que enfim, Sebastião Seráfico, o seu querido Tiãozinho iria cumprir a promessa. Chegou a noite de sexta-feira da paixão. Nessa noite o sino não batia. Mas, o coração de Dona Elena batia mais forte do que qualquer carrilhão. As encenações começaram. Era uma Paixão de verdade! No palanque da encenação, “cristo” entrou de óculos escuros e peruca ruiva bem presa na cabeça pela coroa de espinhos. O que antes parecia chocante foi absorvido em nome da fé. Tião nem se movia. Foi chicoteado, apanhou e foi suspenso na cruz. Os óculos e a peruca aguentaram tudo. Mas, na hora de baixar a cruz, o lenho sagrado deu um balanço mais forte do que o previsto. Os óculos caíram aos pés da Verônica e, nessa queda, arrastou também a peruca ruiva. O silencio foi geral. Uns e outros tampavam a boca e encenavam pequenos risos. Já sem vida, após o descendimento da cruz de longe ainda se ouvia os gemidos do Cristo. Até hoje não se sabe se de dor ou vergonha. Mas, que a promessa foi cumprida lá isso foi!
Imagem de Tyler Sturos por Pixabay
Imagem de Tyler Sturos por Pixabay