Escaravelho

Gosto muito de Santo Antônio e, por alguma razão, já é a segunda vez que trabalho numa paróquia que o tem por padroeiro. Dentre tant...


Gosto muito de Santo Antônio e, por alguma razão, já é a segunda vez que trabalho numa paróquia que o tem por padroeiro. Dentre tantas virtudes do Santo, admiro sua coragem e simplicidade. Todas as biografias que falam dele relatam seu profundo conhecimento da Sagrada Escritura e a grande facilidade que tinha para pregar. Apesar disso, passou boa parte da vida em anonimato ocupando seu tempo com os serviços mais simples do convento. Pelo visto, não era de família pobre e poderia seguir uma carreira brilhante de acordo com os critérios do mundo. Antônio nasceu em Lisboa no ano de 1195 e recebeu o nome de  Fernando de Bulhões e Taveira de Azevedo. Seu pais foram Martinho de Bulhões e Maria Teresa Tavera. (Quanto à data de nascimento, sobrenome e nome dos pais não é possível afirmar-lhes a veracidade com tanta certeza). O nome de Antônio ele recebeu ao ingressar na Ordem Franciscana em 1220. Foi uma homenagem a Santo Antão, o Santo eremita que viveu no Egito por volta do ano 300.
A Igreja Católica enfrentou diversos problemas no tempo em que viveu Santo Antônio. As heresias se multiplicavam e o número dos pobres crescia em razão de diversos fatores dentre os quais a exploração dos usurários (agiotas daquela época). Ele viu surgir os Valdenses e Cátaros. Os primeiros sustentavam que somente os seus grupos formavam a verdadeira Igreja de Cristo. Por isso, recusavam à obediência ao Papa. Negavam a validade dos sacramentos pois condicionava-os à santidade dos padres. 
Os Cátaros negavam o Mistério da Encarnação. Segundo eles Jesus jamais assumiu a carne humana, tendo em vista que ela fora criada pelo Diabo e não por Deus. Negavam a matéria, recusavam o matrimônio e permitiam o suicídio dos seguidores. Mas, além das heresias Santo Antõnio teve que enfrentar os ricos para defender os pobres. Naquele tempo  havia uma pobreza crescente em razão da passagem da sociedade feudal para a burguesa. A pobreza crescia nas vilas e campos. A terra deixava de ser a principal fonte de riqueza enquanto cresciam as práticas comerciais. Nas cidades os pobres não tinham nem alimento ou roupa para se protegerem do frio. A falta de trabalho, baixos salários e alto preço das mercadorias levam muitos à completa indigência. Sem ter a quem recorrer acabavam tomando dinheiro emprestado e pagavam absurdas taxas de juros. Os usurários, na maioria das vezes, tomavam-lhes a propriedade e muitas vezes os matavam. Assim os ricos ficavam cada vez mais ricos os pobres se tornavam  cada vez mais empobrecidos. 
Em diversos sermões, Santo Antônio condenou a usura e a exploração dos pobres:
“O povo amaldiçoado dos usurários tornou-se grande e forte sobre a terra. Seus dentes são como presas de leões. O leão tem duas características: a nuca inflexível formada de um único osso e a boca malcheirosa. Igualmente inflexível é a nuca do usurário, pois ele não teme nem a Deus nem aos homens; sua boca cheira muito mal, pois ele não tem outra coisa na boca, a não ser o imundo dinheiro e sua imunda usura. Seus dentes são como os dos leõezinhos, pois ele devora os bens dos pobres, dos órfãos e das viúvas” (Sermão do Domingo da Sexagésima).
Num outro sermão Santo Antônio comparou os ricos ao escaravelho, um besouro que rola fezes para dentro do próprio buraco a fim de alimentar-se das mesmas. O escaravelho tem uma concha brilhante que parece feita de rica matéria. Ela cintila e encanta ao refletir o brilho do sol.  Apesar disso, o escaravelho passa a vida toda rolando fezes até que passe um jumento e o pise com sua pata. Assim ele morre mergulhado nas fezes que rolava para o buraco. O mesmo acontece com os ricos usurários. Tudo o que carregam são fezes que nada valem quando lhes chegam a morte. Um dia morrerão mergulhados na própria avareza e terão que enfrentar o juizo  divino.
Santo Antônio era um homem de coragem e fé. Sua pregação lembrava o estilo dos profetas bíblicos. Anunciava o amor de Deus sem deixar de lado os apelos à justiça. Que ele venha em nosso auxílio e nos ensine a conciliar o anúncio da boa nova com o profetismo tão necessário em todos os tempos!

Imagem de Topi Pigula por Pixabay 

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