Pérolas do povo

Eu bem que desconfiava. Mas, só agora, fiquei sabendo de verdade, e tomo a liberdade de revelar, em primeira mão, para você: – Tenho pr...


Eu bem que desconfiava. Mas, só agora, fiquei sabendo de verdade, e tomo a liberdade de revelar, em primeira mão, para você: – Tenho profundas ligações com o Japão, China e a Indonésia. Descobri isso, por acaso, como quem descobre ouro sobre a lama. A lama, no caso, é minha coluna, com suas inúmeras ramificações nervosas.

Cheguei mancando no trabalho, mas fui interceptado antes mesmo de pegar no batente. Ao ver, com pesar, minha manqueira ela disse-me que sabia do meu problema e que já tinha passado por isso também. Meio surpreso, perguntei aquela senhora, dona de todos os saberes, do que se tratava. Então, ela me disse: Tenho certeza que o senhor está mancando por causa do nervo asiático. A “ficha” demorou um pouco para cair. Enquanto isso, fiquei pensando que sou ligado pelos nervos ao lado oposto do planeta. Acho que tenho esse nervo, minha senhora, mas… Não. É o nervo asiático mesmo. Ele é um inferno. Quando o meu incha eu quase morro. Não posso nem botar o pé no chão que ele repuxa, completou. Diante da evidência dos fatos fiquei sem argumentos. Pedi para que ela rezasse por mim e segui mancando pela rua afora arrastando o peso da Ásia nas costas!

Pior do que esse incidente foi o que aconteceu outros dias. Numa conversa entabulada no ponto de ônibus outra senhora me disse chorosa. Padre, o senhor poderia me dar uma bênção? Tudo bem. Bênção a gente não nega a ninguém. Mas, antes quis saber qual seria a causa de tanta inquietação. Ela pensou um pouco, pôs a mão na boca e disse: Sabe, padre, é o meu dente cisne. Ele cismou de nascer agora que estou velha e está me matando…  Por instantes pensei que ela segurasse a boca com a mão para evitar o voo do cisne. Nesse caso, deveriam ser dois. Cisne não deve andar desencasalado, pensei. Fiz de conta que nada entendi e estendi a mão sobre a boa senhora que saiu feliz com os cisnes quietos na boca.

Outros dias aconteceu algo parecido. A ligação estava péssima. O celular parecia engolir a voz do  interlocutor que era meio fanhoso, mas insistia em esticar conversa. A certa altura, dizia-me, revoltado, que o que mais o indignava era a “roubareia”. Por instantes pensei: Mas, quem poderia estar roubando areia desse pobre infeliz? Aliás, esse roubo seria inédito pro meu repertório. Imagine o peso de um saco de areia! Fiquei tentando ligar os pontos da conversa para entender o sentido do discurso. Só mais tarde percebi que ele mencionava à roubalheira no Congresso Nacional.

Assim, vou colecionando pérolas no grande laboratório, a céu aberto, formado pelas ruas e encruzilhadas de nossas cidades. Tais pérolas gastam tempo para serem produzidas e brotam de lábios simples de quem aprendeu a ser feliz com pouco.

Agora aprendi, que  além de padecer com os nervos asiáticos, estou correndo um sério risco de sofrer com o nascimento de dois cisnes na  boca. Que Deus me ajude a nunca perder esse contato tão bom com meu povo, a quem tanto amo e admiro!

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