Mametu N’kise Muiandê

Mametu N’kise Muiandê(foto) é o nome africano de Mãe Efigênia Maria da Conceição, responsável pelo Terreiro de Candomblé, Manzo, que fic...

Mametu N’kise Muiandê(foto) é o nome africano de Mãe Efigênia Maria da Conceição, responsável pelo Terreiro de Candomblé, Manzo, que fica em Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte. Visitei o local para conhecer “in loco” uma religião de matriz africana, cujo Terreiro chegou a ser cotado para patrimônio imaterial da humanidade, pela Unesco, em 2015. Sou pesquisador do assunto e penso que o conhecimento não pode ficar restrito aos livros.  Precisamos colocar o pé na estrada e procurar conhecer de perto o assunto sobre o qual falamos. 

Após o agendamento prévio da entrevista, com Cássia (Makota Kidoiale), filha biológica de Mãe Efigênia, procuramos chegar  na hora combinada para as gravações. Mas, entre dar entrevistas e fazer o atendimento religioso, esse veio em primeiro lugar. Por isso, Mametu só nos atendeu após ouvir aqueles e aquelas que buscavam ali um atendimento espiritual. Com muita cordialidade nos recebeu, ofereceu cafezinho e um delicioso almoço ao final das gravações, que terminaram,  por volta das 15 horas! Natural de Ouro Preto, Mametu Muiandê, começou a experimentar a religião com 11 anos. Ela narra com detalhes sua vida, marcada pela pobreza e sofrimento, no livro: “Manzo, Ventos Fortes de um Kilombo”, publicado pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais em 2017.

O Terreiro Manzo,  funciona em Santa Luzia desde 2012. Antes dessa época, funcionava em Belo Horizonte no Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango, um quilombo urbano, fundado em 1972. Ele está situado à Rua São Tiago, 216 – Santa Efigênia. O Quilombo, ainda hoje, luta para preservar sua cultura e desenvolve no local,  diversos projetos como a Capoeira, por exemplo. Um dos objetivos do projeto de capoeira (Kizomba) é tirar os meninos da rua. Veja como ele nasceu a partir da narrativa do livro já mencionado: 

... Todo dia encontrava com os meninos ali sentados na porta do barzinho, e o barzinho fechado. Falei: “Nossa Maurinho, todo dia eu fico com uma dó desses menino, porque eles estão passando fome. Porque todo dia eu vejo eles com um saquinho de leite ali, comendo ou bebendo alguma coisa”. Meu filho: “Mãe, que isso, eles estão cheirando é cola!” Eu falei: “Ô meu Deus do céu! Não pode não! Como é que pode deixar esses menino cheirando cola aqui na rua... foi ai que nascei o projeto Kizomba. O meninos se interessaram e vieram jogar capoeira aqui...

As religiões de matrizes  africanas vem sofrendo, ultimamente, muitas resistências originadas no  preconceito e intolerância religiosa. O Terreiro de Manzo, como tantos outros, “matam um leão por dia” para sobreviver numa sociedade onde cresce o fundamentalismo religioso e os fanatismos. É difícil não se emocionar quando a gente se dispõe a ouvir a história do outro. A entrevista que fiz com Mametu Muiandê teve que ser interrompida algumas vezes quando ela se emocionou ao contar-nos sua história de sofrimento:

Eu estou com quase  72 anos. Fui criada no Asilo Santo Antônio que pertencia às freiras, em Ouro Preto. Desde onze anos participo dessa maravilha que é minha religião. Inicialmente, participei da Umbanda e com a ajuda espiritual já ajudei muita gente. Não cobro nada de ninguém. Com muita dificuldade morando no Santa Efigênia criei minha família. Depois começamos a desenvolver alguns projetos sociais no Quilombo. Tais projetos foram embargados pela prefeitura, pela defesa civil. Naquele dia chorei muito ao ver 72 crianças sendo levadas para os abrigos. Hoje vejo as fotos deles nas páginas policiais... Tive que transferir as atividades do Terreiro para Santa Luzia. Foi tudo muito doído. Em 1998, quebraram minha casa, derrubaram os barracões sem nenhuma consideração. Foi uma perseguição religiosa movida pelo poder público. Na época da demolição, foi uma destruição geral. Praticamente, acabaram com todas as minhas coisas. Tive que  morar  sob um barracão de lona até me ajeitar (... choro...) Hoje me acostumei  a ser chamada de macumbeira, negra, banquela, feiticeira... ( choro) O que importa é que já formei muitos filhos (seguidores da religião) e hoje tenho até netos. Creio que o que motivou toda a perseguição que passei foi a possibilidade de meu terreiro ser considerado patrimônio imaterial da humanidade pela Unesco. Eu nem sabia o que era isso. Na verdade, eles descobriram primeiro do que eu essa informação. Não tenho acesso às notícias oficiais. Recebi a certificação do Quilombo pela Fundação  Palmares em 2007, mas, Infelizmente, as dificuldades aumentaram e continuam até hoje... Muita gente quer calar os nossos tambores e não nos deixam rezar do nosso jeito. O que é pior é que quase ninguém nos defende( choro).

O Brasil tem uma dívida histórica com os negros e ainda hoje resiste em saldar essa dívida. Grande parte dos negros ainda ocupa subempregos ou está desempregada. Basta ver as estatísticas nos últimos anos para constatar que a violência cresce mais entre os negros do que entre os brancos. Isso também se aplica aos níveis de escolaridades. Nas telenovelas o negro ainda é retratado nos piores lugares: manobristas em hotéis de luxo, empregadas domésticas ou ladrões...  Precisamos fazer um exame de consciência. Não podemos ser felizes convivendo  com apartheid.  Que São Benedito e Nossa Senhora Aparecida nos ajudem a livrar-nos de toda forma de racismo, preconceitos e discriminações! 

Observações: 

Mostro abaixo o significado de algumas palavras do texto, originárias da língua banto ou bantú, um tronco lingüístico que chegou ao Brasil colônia trazido pelos escravos capturados na parte centro-sul africana. A exceção fica para a palavra apartheid.

Apartheid = Regime de segregação racial adotado de 1948 a 1994 pelos sucessivos governos do Partido Nacional na África do Sul, no qual os direitos da maioria dos habitantes foram cerceados pelo governo formado pela minoria branca.

Mametu N’kise Muiandê( Senhora dos caminhos e dos vendavais)

Makota = Makotas são as Mães que cuidam do santo. O radical Ma, designa mãe e Kota designa aquela que cuida do Inquisse (Orixá)

Manzo Ngunzo Kaiango (Casa da força de kaiango)

 Kaiango (qualidade de Matamba = Inhansã)

Kizomba: do Quimbundo = festejo


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