São João da Cruz e o homem de hoje

Qual seria a grande diferença entre São João da Cruz e o homem de hoje? Jean- Yves Leloup, responde na introdução de seu livro: João ...

Qual seria a grande diferença entre São João da Cruz e o homem de hoje?

Jean- Yves Leloup, responde na introdução de seu livro: João da Cruz ou À noite habitada. João da Cruz não pára de dizer “não e não”,  “nada e nada” para quase tudo e o homem de hoje diz sempre “um pouco mais” e “mais um pouco” para quase tudo.

A principal diferença, portanto, está na questão do desejo. Em São João da Cruz esse monge nascido em Fontiveros, na Espanha em 1542, há um desejo de infinito que só o infinito pode saciar. Mas quem é esse infinito, esse Deus para ele? Antes de revelar-se a ele como vida Uni-Trinitária, Deus foi por ele vivido como Aventura, um “não sei quê”. Esse “não sei quê”, precede o saber e é resultado do saber, uma “douta ignorância”. Em sua busca espiritual ele troca toda a formosura pela busca do “não sei quê”. Mas, esse “não sei quê” não se alcança pelo esforço da busca e sim pela ventura. Esse pensamento me lembra a frase de Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa que no Grande Sertão Veredas quando ele fala que “Deus é traiçoeiro. Uma beleza de traiçoeiro”... De fato, Deus dispensa toda nossa busca quando se nos revela de forma gratuita. Ele é a beleza e a formosura por excelência e por ele vale a pena se perder...

Por toda formosura
Nunca eu me perderei, 
Mas sim por um “não sei quê”
Que se alcança por ventura.

Às vezes, tenho a impressão que o homem de hoje se parece a um jogador de futebol que chuta a bola o tempo todo, mas não sabe onde está o gol do adversário. Em outras palavras, está perdido. Perdeu o senso de direção da própria vida. Busca a felicidade em lugares errados. Essa busca desorientada me faz lembrar a poesia “Felicidade”, de Vicente de Carvalho, da qual transcrevo uma parte abaixo:

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim : mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos

São João da Cruz não quer se distrair com nada que possa desviá-lo dessa busca por Deus, que nesse poema ele o chama de “não sei quê”. Nenhum sabor finito poderá satisfazer essa fome de Deus:

Sabor de um bem que é finito,
Ao mais que pode chegar
É cansar o apetite
E estragar o paladar;
E assim por toda doçura
Nunca eu me perderei,
Mas sim por um “não sei quê”
Que se alcança por ventura.

A teologia de São João da Cruz não é histórica nem crítica. É teologia mística e tem objetivo guiar as almas pelas vias da união com Deus. Deus quer fazer-nos parecido com ele por participação no seu mistério. Só Ele tem natureza divina. Mas, podemos nos unir a ele e nos santificar nessa união, assim como a lenha deixa de ser lenha e se torna brasa ao queimar-se na fogueira. No fogo do amor divino nós nos tornamos incandescentes. Tocada por Deus a alma adoece para tudo o que há nesse mundo. Tem o gosto transformado:

Aquele que de amor adoece
Pelo ser divino tocado,
Tem o gosto tão transformado
Que os sabores lhe escapam, 
Como àquele que tendo febre
Enfada o manjar que vê,
E apetece um “não sei quê”
Que se alcança por ventura.

Peçamos a São João da Cruz que nos ensine a buscar o que há de mais importante em nossas vidas. Em nosso tempo, muitos estão perdidos e sem direção. Outros estão distraídos com as quinquilharias da sociedade de consumo e acham que por aí vão encontrar a felicidade... Que a gente não se perca nos manjares e prazeres da vida porque diante desse “não sei quê” tudo se torna relativo. Saber que nada sabe sobre Deus é uma sábia ignorância. Afinal, do grande mistério divino, não conseguimos apreender mais que pequenos lampejos. Que Deus nos conceda a bênção da ventura e assim seremos salvos de toda forma de ignorãncia!

Fontes consultadas:

João da Cruz ou a noite habitada, de Jean-Yves Leloup,
São João da Cruz – Obras completas.
Poesias citadas: São João da Cruz – Poesia nº 12 – Glosa ao divino (1585 -1586) Citado no livro de Jean-Yves Leloup
Felicidade: Trecho da poesia de Vicente de Carvalho
Citação de Riobaldo: Livro Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa.

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