O pombo e o falcão

Há muitos anos havia um rei que tinha a fama de ser o mais justo de todos. Certa vez, quando ele se descansava ao por do sol, um pombo...


Há muitos anos havia um rei que tinha a fama de ser o mais justo de todos. Certa vez, quando ele se descansava ao por do sol, um pombo, desesperado, pousou sobre sua perna e disse: - Por favor, estou sendo, cruelmente, perseguido por um falcão! Só o senhor pode me defender. Naquele tempo os pássaros falavam... O rei vendo a pobre ave acuada e tremendo de medo jurou que lhe daria proteção. Afinal, seria injusto entregar uma ave indefesa à morte, quando se poderia, facilmente, evitar essa tragédia. Daí a pouco eis que surgiu o falcão ávido para apanhar o pombo. Soltava fogo pelas ventas! Ao deparar-se com o rei questionou muito o seu conceito de justiça. Veja bem, disse o falcão: - Desde que o mundo é mundo falcões comem pombos. Você quer mudar as regras universais desse universo? Quer desrespeitar o darma? Afinal, eu, minha esposa e meus filhos precisamos nos alimentar com as carnes desse pombo. O que é melhor, perder uma vida ou três? A virtude que destrói a virtude, na verdade deixa de ser virtude. A verdadeira virtude é aquela que sobrepõe às contradições... e foi continuando o seu discurso de convencimento...

O falcão, esfomeado, falou tanto que quase embaraçou os pensamentos do rei. Por fim, ele retrucou: Mas, não serei virtuoso se não garantir a proteção aos indefesos. Esse pombo está sob minha guarda e jurei protegê-lo. Como ficarei depois de quebrar um juramento diante de meus filhos e meus súditos? Naquele tempo havia preocupação com honra, virtude e agir correto... Depois de pensar muito o falcão fez uma proposta ao rei. Disse-lhe que aceitaria deixar o pombo livre se ele fosse capaz de cortar um pedaço de carne da própria coxa. Esse pedaço de carne deveria pesar tanto quanto o pombo da polêmica.  O rei preferiu cortar na própria carne a quebrar seu juramento. Pegou uma faca afiada e cortou um naco de carne na própria coxa e deu ao falcão para matar-lhe a fome. Mas, quando pesou aquele bife sangrento viu que o pombo pesava muito mais. Sem saída, cortou um pedaço maior na outra perna. De nada adiantou. O peso do pombo era ainda maior. Assim, o rei foi se cortando todo até sobrar apenas seu esqueleto. Naquela hora o falcão lhe disse: Olhe, não precisamos de nada disso. Eu e o pombo fomos enviados pelos deuses apenas para testar sua virtude. Podes recobrar sua carne porque nós já conseguimos a prova que precisávamos...

Ao ler essa parábola, não consigo deixar de pensar em Jesus. Ele se ofereceu numa cruz e nos deu sua vida. Preferiu entregar-se, em vez de nos entregar à própria sorte. Cristo assumiu nossas dores e, morrendo por nós, nos salvou a todos. Deu-nos a maior prova de amor: a vida! É a esse amor que somos chamados. O amor cristão consiste na renúncia de si mesmo para o bem do outro. Nessa cultura do “self” em que vivemos o “eu” vem sempre em primeiro plano. Atrás de mim é que aparecem os outros. Isso não combina com o amor cristão. O amor de mãe serve de comparação para falarmos do amor de Deus. A mãe deixa tudo por causa de um filho. Deixa de comprar um vestido bonito para que a filha tenha um vestido novo na formatura. Às vezes, deixa até mesmo de comprar um medicamento, para não prejudicar os estudos do filho. Mãe é doação. Ela corta na própria carne para alimentar o filho, se for necessário. Mas, o amor de Deus é ainda mais pleno. É infinito como infinito é o próprio Deus. Por isso Jesus nos ensinou a perdoar setenta vezes sete!

Alguns santos compreenderam bem o amor de Deus. São Maximiliano, por exemplo, ofereceu-se, num campo de concentração nazista, para salvar a vida de um pai de família que ele nem conhecia. Os mártires colocaram o amor a Deus e ao próximo acima do amor próprio. Deram a vida para que outros pudessem viver. Acho que precisamos aprender essa lição. Que Deus nos ajude!


Observação: O texto seguinte foi escrito com base na leitura de “O Mahabharata”, um grande épico indiano. As adaptações e aproximações com o pensamento cristão, são minhas, obviamente.

Imagem de jmarti20 por Pixabay 

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