Religiosidade mineira

Foto Sérgio Oliveira A palavra me é familiar apesar de pouco usada. Trata-se da palavra “Mandraca”. Mandraca era uma das duas categ...


Foto Sérgio Oliveira
A palavra me é familiar apesar de pouco usada. Trata-se da palavra “Mandraca”. Mandraca era uma das duas categorias de feitiçarias registradas por Aires da Mata Machado Filho, em seu livro: O Negro e o Garimpo em Minas Gerais (1928). A outra categoria era a “Muamba”. A muamba, quando feita, atrapalhava a vítima, sua família, seus animais e sua propriedade. O gado morria de peste, as plantações adoeciam e os negócios fracassavam. No caso da mandraca, os poderes atingiam diretamente as pessoas, objetos e até sobre os elementos. O mandraqueiro tinha uma espécie de poder hipnótico e era capaz de apagar até incêndios, mesmo à distancia...Podia abrir gavetas e portas só com a “força do pensamento”. Só não abria as portas se estivessem trancadas com taramelas, pois isso lembrava um formato de cruz...

Os negros do garimpo, nas cercanias de Diamantina, eram muito supersticiosos e, constantemente, faziam rituais para diversos fins. Para fazer chover faziam procissões levando pedras de um determinado lugar para os cemitérios... Quando o milho estava prestes a embonecar molhavam os pés dos cruzeiros ao meio do dia. Isso garantia a chuva tão necessária à agricultura. Quando ela não vinha, então, trocavam os santos de lugar. Tirava o São Jorge de uma Igreja, levava-o para outra capela e punha outro santo no lugar dele. Os santos "contrariados" com essa troca compulsória fazia a chuva descer do céu. Só então, seriam destrocados. Os negros do garimpo tinham rituais para  “fechar o corpo” e melhorar os negócios. Para anular os poderes de um feiticeiro, também praticavam rituais específicos:

Os interessados deveriam se reunir em torno de uma fogueira em qualquer noite de sexta-feira. O Fogo deveria ser alimentado com cascas de alho, folhas de guiné e fumo de corda de baixa qualidade. O feiticeiro devia ser conduzido para perto da fogueira onde seria defumado com as fumaças exaladas por essas ervas. Em seguida deveria quebrar alguns ovos chocos em suas costas e aplicar-lhe uma surra com pau-de-fumo, ou seja, os pedaços de paus usados para enrolar as cordas de fumo... Consta que esse processo foi largamente empregado no povoado de Quartel, quando a população resolveu acabar com as feitiçarias. Pelo visto a coisa deu certo, mas depois de um tempo os problemas continuaram.

Um dos santos que fazia grande sucesso naquele tempo de garimpagem foi São Sebastião. Ele é considerado o padroeiro contra as calamidades, a peste, a fome e as guerras. Apesar de na região não se registrar secas prolongadas e outras calamidades, São Sebastião era cultuado assim mesmo. Em qualquer situação é melhor prevenir do que remediar... O que havia de certo era o sofrimento da população escrava. E ela era considerável. Apenas para lembrar, quando a Lei Áurea foi assinada em 1888, 800 mil brasileiros foram libertados. Só em Minas Gerais foram 230 mil e boa parte desse povo concentrava-se na região de Diamantina.

O tempo passou e Minas Gerais foi se transformando com ele. Os grandes meios de comunicação impõem sobre o Brasil hábitos do Rio e São Paulo. Mas, apesar de toda essa pressão externa, os elementos de nossas crenças primitivas ainda podem ser constatados entre o povo mais simples.  Não é raro você encontrar na entrada das residências um pé de guiné ou arruda...  Nas porteiras dos currais uma caveira de vaca... Ainda se molham os pés da cruz para fazer chover e fazem promessas a Santo Antônio para arranjar um bom casamento...

Mineiro não fala muito sobre seus segredos. Aprendeu no garimpo a esconder o ouro. O “santo do pau oco”, talvez sirva para ilustrar essa ideia. Por fora era uma imagem de santo tosca feita de madeira e com pouco valor. Por dentro, estava recheada de ouro da melhor qualidade.

Só depois de muita convivência é que você conhece um mineiro. Ele não é o primeiro que fala e nem o que mais aparece. Come quieto e come pelas beiradas. Mas, de bobo só tem a cara. 
E olha lá!

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