A serpente de bronze

Quando criança não era raro a gente ver, margeando as estradas, o que chamávamos de “casca de cobra”.  A explicação que recebíamos era que, de vez em quando, as cobras trocavam-se de peles. Abandonavam uma pele antiga e ganhavam uma novinha em folha. Isso que, hoje em dia, é o sonho de consumo de tanta gente, as serpentes já fazem há anos! Eu que, sempre tive medo de cobras, temia até mesmo aquelas peles secas. Era como um aviso deixado pelas suas antigas donas: - Olhe, se nossas roupas antigas estão aí, então, é porque estamos por perto...

Talvez, por causa do mencionado acima, as serpentes, no mundo antigo, eram sinal de renovação e renascimentos. A grande capacidade de regeneração das mesmas fez com que fossem consideradas símbolos de fertilidade em muitas culturas antigas. No Templo de Jerusalém havia a imagem de uma serpente de bronze que foi destruída no tempo de Ezequias (2Rs 18,4) por causa do culto que se criou em torno dela. Essa antiga serpente de bronze foi construída por Moisés, por ordem de Deus (Nm 21,4-9).

O “Povo de Deus”, no Antigo Testamento, era um povo de cabeça dura. Muitas vezes, teve que aprender na dor e não no amor. Enquanto Moisés tentava conduzir esse povo rumo à “terra prometida”, sofrendo as penúrias do deserto, sofria também, com as constantes murmurações desse mesmo povo contra ele e contra Deus. Além de criticar Deus e Moisés o povo sofre de recaídas. Quer voltar ao Egito, a terra da escravidão de onde estava saindo... Deus, então, resolve “castigar” esse povo enviando serpentes venenosas. Só assim mesmo, para mudar um comportamento! Com medo de morrer o povo recorreu a Moisés para que intercedesse a Deus por ele e confessou os seus pecados. Deus então recomendou que uma serpente de bronze fosse erguida numa haste. Todos que olhassem para ela seriam curados. A cura estava ligada à obediência e à fé. Ironicamente, a fonte da cura é semelhante à do castigo, pois o povo foi castigado, exatamente, pela desobediência e falta de fé.

O Evangelho de São João (3,14) aplica a imagem da serpente a Jesus Crucificado. Olhando para ele, que foi levantado na cruz, podemos ser curados. Salvando as enormes proporções que nos separam do povo de Deus no deserto, nossa sociedade, ainda padece dos mesmos vícios. Ainda somos marcados por ateísmo, rebeldia contra a fé, vaidades, bobagens e mais bobagens... Talvez por isso, estejamos doentes de uma enfermidade que não é curada com remédios de farmácia. Ainda somos um povo de cabeça dura.

Hoje não podemos pensar como se pensava no Antigo Testamento. Nosso Deus, conforme revelado por Jesus é um Deus amoroso e não castiga ninguém para provocar uma mudança de comportamento. Se um filho pede um pão o pai não vai dar-lhe  uma cobra... Nossos males não veem de Deus. Eles veem de nossa própria falta de juízo. Essa sociedade virada do avesso, onde o errado passa a ser o certo e cada homem se julga um deus, é uma sociedade doente. Com o olhar da fé, podemos tirar dela os recados que Deus nos envia. É hora de mudar de mentalidade e de vida, pois a vida mesma, nunca esteve tão ameaçada!

Olhar para a cruz de Cristo, nesse momento, é pedir socorro. Que Ele venha em nosso auxílio e nos ajude a sair dos abismos que nós mesmos criamos. Mas, é aprender também a grande lição da cruz: - Nossa vida só tem sentido se fizermos dela uma doação ao próximo...

Imagem de Stefan Keller por Pixabay