Jinga: Uma rainha africana

Empreitada nada fácil a minha. Tentarei falar de parte de uma história que sempre desconheci na escola. Aliás, enquanto estudante de ...



Empreitada nada fácil a minha. Tentarei falar de parte de uma história que sempre desconheci na escola. Aliás, enquanto estudante de ensino fundamental, quase nunca via falar sobre a África. A única coisa que sabia é que fornecia escravos para o Brasil. Mas, isso me parecia um dado tranquilo. Era como se os africanos estivessem sentados à beira da praia pedindo para serem escravizados no Brasil. Assim, poderiam sair da “barbárie” e tornar-se “homens de bem” além de “bons cristãos”. Confesso que foi muito louca a história que aprendi. Por isso, hoje faço questão de “desaprender” muita coisa...

Nesse texto pretendo falar de uma mulher guerreira como tantas que rechearam a história do Brasil e de Minas Gerais. Quem poderia se esquecer de Chica da Silva, Dona Beja, Joaquina do Pompeu ou Maria Tangará? Pois é. Mas, para falar da minha personagem teremos que cruzar o Atlântico e desembarcar em Angola, na África. Durante pelo menos três séculos, Angola e Brasil, a partir de Luanda e Rio de Janeiro era como duas faces de uma mesma moeda. Milhares de africanos escravizados partiram de Angola para o Brasil. Pois bem. Nesse período uma mulher deu muito trabalho para os portugueses. Trata-se da Rainha Jinga. Mas quem foi essa mulher? É o que veremos.
Batizada com nome cristão de Ana Souza a Rainha Jinga, na verdade, chamava-se Nzinga Mbandi Ngola Kiluanje e nasceu em 1582 em N’dongo, Angola. Era filha de uma escrava com o Rei Jinga Mbandi, do reino de Andongo.

Em sua vida mito e realidades se confundem. Nos Estados Unidos ela é vista como símbolo do movimento feminista; na África tornou-se heroína de um movimento comunista o MPLA (Movimento Popular pela Libertação de Angola); no Brasil é símbolo de resistência e, constantemente, lembrada por grupos de capoeira, congado e outros...

No ano de seu nascimento (1582) a guerra dos portugueses contra os chefes africanos se alastrava pelo interior de Angola. Seu pai foi assassinado pelos próprios vassalos e, por isso, o irmão mais velho, Mbandi,  assumiu o trono. Temendo perder o poder Mbandi se encarregou de matar a madrasta, um irmão e o filha de Jinga, seu sobrinho.

Em 1617 a tensão aumentou quando novo governador colonial Luís Mendes de Vasconcelos invadiu o Reino de Andongo para construção de um forte. Na ocasião o irmão de Ginga recuou-se numa ilha do rio Kwanza.

Em 1622, o novo  governador João Correia de Souza, propôs negociação de paz com Mbandi para que o tráfico de escravos não ficasse paralisado. Na ocasião, Mbandi foi representado por Jinga. Ela conseguiu impressionar a todos porque se apresentou ao governador coberta de joias e acompanhada de muitos  escravos. No dia da audiência, ao perceber que só havia um trono no salão, ordenou a uma escrava que ficasse de joelhos com as mãos no chão. Assim, usou a escrava como poltrona e negociou com o governador de igual para igual. Terminada a reunião a escrava continuou na mesma posição. O governador perguntou-lhe se não iria ordenar que a escrava se levantasse. Então, ela retrucou que ele poderia ficar com a escrava para ele pois só se assentava uma vez em cada trono...

Durante a reunião muitos acordos foram firmados. Jinga aceitou o batismo cristão e adotou o nome de Ana Souza. Mas, nenhum dos acordos foi cumprido pelas partes. Dois anos depois ela surgiu como senhora absoluta do Reino de Andongo.

Mulher corajosa e destemida enfrentou militarmente o novo governador Fernão de Souza em 1624. Aliou-se aos temidos guerreiros jagas e ia também para os campos de batalhas. Renegou o batismo e voltou para sua fé original. Comandou guerrilhas, libertou escravos, aprisionou a tantos outros. Atacou agentes do tráfico (pombeiros) e os comboios de escravos (libambos), prejudicando assim, o comércio de escravos dos portugueses. Ao longo de quinze anos de guerras tornou-se muito poderosa e capaz de enfrentar grandes exércitos.

Em 1630, Jinga ocupou o Reino da Matamba que junto ao Reino de Cassanje, dominado pelos jagas, seria a principal região fornecedora de escravos no interior de Angola. Sabia usar a força e outros meios estratégicos para estabelecer alianças e tinha grande capacidade organizacional. Foi como rainha de Matamba que soube da ocupação de Angola pelos holandeses em 1641. Ofereceu ajuda aos holandeses e junto com eles organizou novas rotas de tráfico de escravos.

Alguns hábitos da rainha acabaram se destacando em sua biografia: Cobria-se de joias mas andava sempre descalça. Tinha sempre uma coroa na cabeça. Gostava de fumar e de jogar. Quando ganhava doava os prêmios colecionados. As lendas afirmam que teria tido mais de 50 amantes de uma só vez. Exigia que seus amantes vestissem roupas femininas e ela mesma vestiu-se como rei.

Ao final de sua vida fez amizade com os frades capuchinos e retornou à fé católica. Chegou a escrever para o Papa Alexandre VIII, em 1657, descrevendo as atividades pastorais que aconteciam em seu território.

Morreu de morte natural, nos braços de Frei Cavazzi, no dia 17 de dezembro de 1663, com 81 anos de idade. Foi sepultada na igreja de Santa Ana da Matamba,  com uma coroa de ouro e um velho hábito capuchinho.

Rainha Jinga, ainda hoje é lembrada, no Brasil, como modelo de resistência e luta em favor de seu povo. Por causa disso, não morreu. Ficou encantada!


Fontes consultadas para esse texto:

Gomes, Laurentino. Escravidão, Vol I. Rio de Janeiro, Globo Livros, 2019.

ROCHA, Rosa Margarida de Carvalho. Almanaque Pedagógico Afrobrasileiro. Mazza Edições, ano não anotado.

POEL, Francisco van der. Dicionário da Religiosidade Popular: Cultura e Religião no Brasil. Curitiba, Nossa Cultura, 2013.


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  1. Ontem,como hoje, precisamos ter no Brasil um negro ou negra que tenha a garra da rainha Njinga, para tirar nós os negros brasileiros dessa senzala moderna. Rainha Njinga nunca será esquecida.

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  2. Parabéns Padre Gabriel e Deus lhe abençõe por tudo!

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