Trigo e joio

A coisa mais difícil do mundo era arrancar, com o cantinho da enxada, o arroz preto que crescia junto ao arroz de cultivo. Naquele tempo...


A coisa mais difícil do mundo era arrancar, com o cantinho da enxada, o arroz preto que crescia junto ao arroz de cultivo. Naquele tempo, tempo de minha infância, ninguém sabia nada sobre as propriedades nutritivas do chamado “arroz preto”. Nós, o víamos como praga na lavoura. E como costuma acontecer, as pragas prosperam melhor do que as plantas de cultivo. Ninguém precisa adubar. Do nada, elas aparecem e crescem bonitas, tomando conta de tudo! Não era raro acontecer que, ao arrancar o arroz preto, toda a "moitinha" de arroz ficasse danificada.  Essa imagem do arroz preto, hoje me será útil para comentar a parábola do joio e o trigo (Mt 13,24-30).

No tempo de Jesus, o trigo já era um cereal de muita importância. Era a base para fazer o pão, um alimento universal. Sua lavoura exigia esforço e cuidados. Mas, naquela época, as pragas também existiam. Uma delas era o joio, uma planta semelhante ao trigo e que, às vezes, crescia junto dele, confundindo os agricultores.  Isso, naturalmente, causava dor de cabeça, pois o joio, se misturado ao trigo, poderia estragar toda a farinha.  Sua presença era alvo de preocupação. Arrancá-lo, não era tarefa fácil. Suas raízes se misturavam com as raízes do trigo. Além do mais, as plantas eram muito parecidas. As diferenças só se tornavam mais nítidas na hora da colheita, quando apareciam os grãos. O agricultor vivia uma agonia prolongada...  Tinha que esperar a colheita para separar a boa da má semente.

A imagem do trigo misturado ao joio foi usada por Jesus para falar de outra realidade: A realidade do bem e do mal, que convivem juntos. Não é tão fácil separar as duas coisas! Há quem, defenda solução rápida como a pena de morte para os bandidos. A dificuldade é saber, nesse cenário, quem é o mocinho e quem seja o bandido. A bandidagem anda habitando o asfalto e o morro, os palácios e os barracos... Alguns chefes de estado chegaram a dividir o mundo em dois: Eixo do mal e eixo do bem. Quem fez isso sempre se colocou do lado do bem se esquecendo de que o juízo em causa própria é mais do que suspeito. Alguns sempre enxergam o mundo em preto e branco: De um lado está a “sociedade dos bons” e do outro os “maus elementos”. Para que a “gente de bem” viva em paz, defendem a construção de presídios cada vez maiores para abrigar os "maus elementos". Agem como se quisessem tirar a laranja podre do saco. Querem consertar um problema pelas pontas. Nunca se perguntam pelas causas que apodrecem as laranjas.

Os fariseus, no tempo de Jesus eram especialistas em exclusão de pessoas. Para eles quem não cumprisse a lei, ao pé da letra, não era digno de participar da vida litúrgica. Eram "separados" até de Jesus, pois tinham medo de se "contaminarem" com o pecado. Já que Cristo andava muito com os pecadores ele também era visto com suspeição...

Jesus não ignorou o problema do mau. Mas, sabia que a questão não é tão simples e por isso pedia paciência e conversão de todos, inclusive dos fariseus.  Ensinou-nos a não vencer o mal usando as mesmas armas. Sabia que violência gera mais violência. O inusitado da parábola foi o pedido do senhor para que esperasse um pouco mais para separar o joio de trigo. Quem quer ficar convivendo com o mal? Era natural que tivessem pressa. Mas, na pressa em arrancar o mal poderiam também arrancar o bem. Corria-se o risco de jogar fora o bebê, junto à água suja da bacia!

A lógica de Deus é diferente da nossa. Humanamente falando parece que Jesus fracassou em seus objetivos de afogar o mal num oceano de bem. Afinal, foi vítima do mal e morreu na cruz. Mas, aquilo que, parecia um grande fracasso, na verdade, não o foi, pois, ressuscitando mostrou-nos, que é possível vencer a morte pelo amor. Isso, não significa que devemos ficar passivos diante do mal que prospera, feito joio,  em nosso meio. Podemos e devemos lutar para uma sociedade onde o bem fale mais alto, o perdão supere o ódio e a vingança dê lugar à reconciliação. Por onde começar? –Por nós mesmos! As armas não disparam sozinhas. As guerras não acontecem do nada. Por trás de tudo isso, há sempre um coração humano que pode ser transformado.

É fácil ver o problema do mal sempre fora de nós. Difícil é reconhecer que também eu costumo alimentar essa máquina de morte. Se quisermos superar os males que nos rodeiam precisamos começar por nós mesmos. Se não consigo arrancar o joio do meu próprio coração, não seria pretensioso demais querer arrancá-lo do coração dos outros?


Imagem de Tang Qui Đông por Pixabay

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