Escravos da Lei

Certa ocasião, Jesus foi duramente questionado por descumprimento da lei. Num determinado dia de sábado ele caminhava pelos campos com seus discípulos. Decidiram colher algumas espigas para matarem a fome (Mt 12,1-21). Nesse ponto é que foram questionados. A lei proibia fazer colheitas no dia de sábado! Aliás, em dia de sábado não se podia fazer muitas coisas…

Esse preceito que já aparece no livro do Êxodo (20,10) passou a ser, extremamente, valorizado após o exílio da babilônia. Em certos casos a lei era, simplesmente, colocada acima da vida. Mesmo numa situação de guerra houve um fato em que ninguém reagiu ao ataque do inimigo apenas porque era dia de sábado e mais importante que defender as próprias vidas era o respeito sagrado à lei (1Mc 2, 31-38).

Não podemos negar a importância da lei para se viver em sociedade. O grande problema é que a sociedade é dinâmica e a lei, muitas vezes, é estática. Nesse caso, ela torna-se um fardo pesado que não contribui para o bem das pessoas. A lei não é um fim em si mesma. Ela é o meio para garantir uma vida, socialmente, possível. Mas, sempre existiram legalistas de plantão dispostos em aplicar a lei a qualquer custo, por mais caduca que ela seja. Isso me lembra a lenda de uma enfermeira que cumpria  determinação médica. Deveria preparar o corpo, pois o paciente havia morrido. Enquanto ela depilava o corpo o camarada levantou-se do caixão assustado querendo entender tudo aquilo. – Estou vivo, e me tens como morto, gritou! A enfermeira, tranquilamente, retrucou: quem sabe mais você ou o médico? Deita aí, você está morto e fim de papo! Vou continuara a cumprir o meu dever e preparar você para o sepultamento…

A mitologia grega conta uma estória que serve para ilustrar o tema de nossa explanação. É o mito de Procusto. Cheio das "boas intenções", Procusto sonhava com a igualdade entre as pessoas. Mandou fabricar, então, uma cama de ferro para fazer deitar-se nela, todos os passantes. Aqueles que eram pequenos ele os esticavam para que coubessem nas medidas do leito. Com os grandes adotava o procedimento contrário. Cortava-lhes as pernas para que coubessem na cama. A cama era a lei. Sobre ela todos deveriam ser iguais. Assim uma lei que serve para o interior do amazonas deve ser, igualmente, aplicada no centro de S. Paulo e fim de papo. Quem mandou o cara ter as pernas curtas ou ser pernudo demais?

A lei é como um sapato que ajuda a pessoa a caminhar. Mas, quando o pé cresce é preciso mudar o sapato. Em alguns casos, como no Evangelho de hoje, em vez de mudarem o sapato queriam cortar o pé do usuário. Assim, em nome da justiça e da aplicação da lei acabavam cometendo muitas injustiças...

Para Jesus, a lei não deveria ser absolutizada. Depois de Deus, a realidade mais sagrada é o homem. Por isso, Jesus não relutou ao fazer-se homem como nós. A lei e o templo deveriam existir em função do ser humano e não o contrário. Diversas vezes ele foi “enquadrado” por violação da norma. Mas, Jesus não era “quadrado”, e por isso, não se ajustava, facilmente, aos esquemas de então. Que o Pai do céu nos ajude a entender isso, e nos torne mais parecidos com seu Filho, o homem mais livre de todos os tempos. Sua liberdade nascia do amor.

Imagem de Hans Braxmeier por Pixabay