Neruda no Brasil

  O Poeta Chileno Pablo Neruda esteve muitas vezes no Brasil. Era grande admirador de Luís Carlos Prestes e outros intelectuais brasileiros....

 


O Poeta Chileno Pablo Neruda esteve muitas vezes no Brasil. Era grande admirador de Luís Carlos Prestes e outros intelectuais brasileiros.  Sobre Prestes ele afirmou em seu livro “Confesso que Vivi”:

“Nenhum dirigente comunista da América teve uma vida tão trágica e portentosa quanto Luís Carlos Prestes. Herói militar e político do Brasil, sua verdade e sua legenda ultrapassaram há muito tempo as restrições ideológicas e ele se converteu em uma encarnação viva dos heróis antigos. Por isso, quando em Isla Negra recebi um convite para visitar o Brasil e conhecer Prestes, aceitei imediatamente”.

Em 15 de julho de 1945, ele se fez presente no Estádio do Pacaembu-SP, para prestar uma homenagem a Carlos Prestes.  Na ocasião, leu um de seus poemas chamado “Dito no Pacaembu”. Esse poema foi publicado, mais tarde, em seu livro “Canto Geral”.  Neruda sabia da militância política de Carlos Prestes e acompanhou o seu drama pessoal quando ele foi preso e sua esposa Olga Benário, deportada do Brasil, por Getúlio Vargas, para morrer na  Alemanha Nazista, em 1942.

A filha de Olga, chamada Anita Leocádia Prestes, nasceu na prisão, em novembro de 1936. Só depois de muita pressão internacional o governo alemão entregou-a, aos cuidados de Dona Leocádia. Olga foi morta na câmara de gás após muitos sofrimentos e trabalhos forçados.

Dona Leocádia moveu céu e a terra para ter sua neta de volta. Viajou para diversos lugares onde dava palestras e denunciava a situação desumana enfrentada por sua família. Por isso, Neruda a admirava tanto. Em 1943, morreu exilada no México e nem pode contar com presença do filho Carlos Prestes, porque o Governo de Getúlio Vargas não permitiu a saída dele do Brasil. À época, Neruda, que também estava no México, dedicou-lhe um poema intitulado, “Dura Elegia”. O poema foi lido por ele mesmo junto à sepultura de Dona Leocádia:

Dura Elegia * (Partes do poema)

Senhora  fizeste grande, tão grande, a nossa América.

Deste-lhe um puro rio, de águas colossais:

deste-lhe uma árvore alta de infinitas raízes:

um filho teu digno de sua pátria profunda.

........

A casa do tirano tem hoje uma presença

grave como um imenso anjo de pedra,

a casa do tirano tem hoje uma visita

dolorosa e dormida como uma lua eterna,

uma mãe aos prantos, de vingança, de flores,

uma mãe de luto, de bronze, de vitória,

olhará eternamente os olhos do tirano,

até enterrar neles nosso luto mortal.

 

Senhora, hoje herdamos tua luta e tua dor.

Herdamos teu sangue que não teve descanso.

Juramos à terra que te recebe agora

não dormir nem sonhar até a volta de teu filho.

.......

Não tem prisão para Prestes que esconda seu diamante,

o pequeno tirano quer ocultar o fogo

com suas pequenas asas de morcego frio

e se envolve no impulso silêncio da ratazana

que furta nos corredores do palácio noturno.

 

Porém como uma brasa acesa incandescente

através das barras de ferro em cinzas

a luz do coração de Prestes sobressai.

Como nas grandes minas do Brasil a esmeralda,

e como em nossos bosques de índole poderosa

sobressai uma estátua de estrelas e folhagem,

uma árvore das terras sedentas do Brasil.

 

Senhora, fizeste grande, tão grande, a nossa América,

e teu filho algemado combate junto a nós,

a nosso lado, cheio de luz e de grandeza.

Nada pode o silêncio da aranha implacável

contra a tempestade que desde hoje herdamos.

Nada podem os lentos martírios deste tempo

contra seu coração de madeira invencível...

 Estando de passagem pelo Panamá, Neruda incluiu esse poema em um de seus recitais. Após recitá-lo, publicamente, teve um incidente com o Embaixador do Brasil, presente no local. O poema acusava a tirania do governo brasileiro e isso incitou o embaixador. Na ocasião ele disse que Prestes não passava de um “delinquente comum”. A reação da assembleia foi grande e, por pouco o embaixador, não se deu mal.

 No Pacaembu, ao lado de Carlos Prestes Neruda leu um poema especialmente escrito para a ocasião. Fez a leitura em espanhol e, mesmo assim, ela foi acompanhada por uma multidão de aproximadamente 130 mil pessoas! Foi uma verdadeira consagração ao poeta.

 

Dito do Pacaembu (parte do poema)

 

Quantas coisas quisera hoje dizer, brasileiros,

quantas histórias, lutas, desenganos, vitórias,

que levei anos e anos no coração para dizer-vos,

pensamentos e saudações. Saudações das neves andinas,

saudações do Oceano Pacífico, palavras que me disseram

ao passar os operários, os mineiros, os pedreiros,

todos os povoadores de minha pátria longínqua.

Que me disse a neve, a nuvem, a bandeira?

Que segredo me disse o marinheiro?

Que me disse a menina pequenina dando-me

espigas?

 

Uma mensagem tinham: Era: Cumprimenta Prestes.

Procura-o, me diziam, na selva ou no rio.

Aparta suas prisões, procura sua cela, chama.

E se não te deixam falar-lhe, olha-o até cansar-te

e nos conta amanhã o que viste.


Hoje estou orgulhoso de vê-lo rodeado

por um mar de corações vitoriosos.

Vou dizer ao Chile: Eu o saudei na viração

das bandeiras livres de seu povo...

 Após aquele evento Carlos Prestes o convidou Neruda para um almoço e uma conversa mais reservada em sua casa posteriormente. Mas, Neruda fez confusão com os dias da semana e acabou não comparecendo ao almoço. Sobre isso ele disse: “Cada vez que me lembro desta história sinto vergonha. Pude aprender tudo em minha vida menos os nomes dos dias da semana em português”.

 Em outras ocasiões Pablo Neruda visitou o Brasil onde fez grandes amigos como Jorge Amado, Di Cavalcanti, Roberto Burle Marx e Vinicius de Moraes.

 Pablo Neruda foi mais do que o poeta do amor. Ele foi o poeta da construção de uma identidade latino-americana. Sua poesia canta as paisagens e fala dos grandes personagens que marcaram a história da América Latina. Para além de cantar o amor e a vida ela tem um viés político por ser uma poesia encarnada na vida dos povos explorados da América Latina. Por isso, seus textos merecem serem revisitados sempre...

 

 Obs: Texto escrito com base nas informações do livro, “Confesso que Vivi”, de Pablo Neruda, Canto Geral, do mesmo autor e outras informações colhidas a partir da leitura de suas obras.

 

* Elegia = toda composição poética de tema triste, notadamente funéreo. Em geral, o assunto  próprio da elegia são os sentimentos, especialmente dolorosos, que podem dizer-se naturais e comuns a todos os entes mortais.

Imagem de Julian Hacker por Pixabay  - Flor dos Andes - Chile

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  1. .."Após aquele evento Carlos Prestes o convidou Neruda para um almoço e uma conversa mais reservada em sua casa posteriormente. Mas, Neruda fez confusão com os dias da semana e acabou não comparecendo ao almoço. Sobre isso ele disse: “Cada vez que me lembro desta história sinto vergonha. Pude aprender tudo em minha vida menos os nomes dos dias da semana em português"...

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  2. É. De fato foi um grande homem. Politico, engenheiro. Mas, deverasmente, acho que sua ideologia politica, comunista, não se aplicaria no ocidente tão bem como durou na Ásia. Todos os paises comunistas, tiveram suas raizes pouco duráveis. Cito: cuba, albania Polônia, a propria União soviética. A propria china, teve que abrir suas proprias portas para "o comercio ocidental". O comunismo, no meu ponto de vista, é um regime fechado e autoritário. Pode ate parecer ridiculo meu comentario, mas, a democracia tambem, não é la essas coisas de regime, " do povo...pelo povo....e para o povo". Ate hoje, no seculo XXI, ainda não descobriram um regime que prevaleça para o bem comum. Infelizmente! Mas, luiz carlos prestes, foi sim, um grande politico.

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  3. Quanto a pablo neruda, sem comentários. Independente se de direita ou esquerda, escritor igual....não vai aparecer outro Pelé. Então!?

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  4. Uma aula de história . Parabéns padre pelo conteúdo do texto nesse época do Brasil

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  5. Excelente leitura, um grande autor que precisa ser sempre lembrado.
    Neruda foi um homem intenso, viveu plenamente o século XX. Foi da 1ª Guerra à Guerra Fria, passou por todos os conflitos e ditaduras militares do seu tempo. Por isso, como poucos, soube expressar em seus poemas, de maneira peculiar, a história das lutas sociais através das mensagens ideológicas e políticas explícitas em suas obras.

    “Quero viver num mundo sem excomungados. [...] Quero viver num mundo em que os seres sejam somente humanos, sem outros títulos a não ser estes, sem serem golpeados na cabeça por uma régua, com uma palavra, com um rótulo. Quero que se possa entrar em todas as igrejas e em todas as gráficas. [...] Quero que a grande maioria, a única maioria, todos, possam falar, ler, escutar, florescer. Nunca entendi a luta senão para que esta termine. Nunca entendi o rigor senão para que o rigor não exista. Tomei um caminho porque acredito que este caminho nos leva, a todos, a essa amabilidade duradoura. Luto por essa bondade ubíqua, extensa e inesgotável [...] fica-me no entanto uma fé absoluta no destino humano, uma convicção cada vez mais consciente de que nos aproximamos de uma grande ternura.” (Confesso que Vivi. Memórias. Pablo Neruda).

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  6. Parabéns, um dos melhores blogs que conheço!👏👏👏

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