Tina Modotti homenageada por Pablo Neruda
Era uma simples fotografia dessas que a gente encontra, quase por acaso, navegando pela internet. Mas, que poder de encantamento ela possu...

Seu olhar trazia-me o questionamento de quem já gozava da paz eterna. Era como se questionasse minha vidinha simples de cidadão comum, com pretensão de anonimato. A mulher da foto me olhava, sem piscar. Havia naquele olhar um misto de candura e tristeza. Depois de saber mais sobre tal mulher descobri que não fui sua primeira “vítima”. Soube que foi fotógrafa e teve uma vida muito intensa. Foi retratada por Diego Rivera um grande pintor mexicano e imortalizada num poema de Pablo Neruda.
A mulher da foto era Tina Modotti, uma italiana (1896), que nasceu como Assunta Adelaide Luigia Modotti Mondini. Era de família humilde e teve que batalhar para ajudar os seus. Mudou-se para Califórnia e em seguida para o México em 1922. Conheceu Frida Kahlo e Diego Rivera para quem posou como modelo. Apaixonou-se por Vittório Vidale, o célebre Comandante Carlos. Tornou-se amiga do dirigente juvenil cubano, Júlio Antônio Mella assassinado em 1929. Foi acusada de sua morte, pela imprensa mexicana. Tina morreu do coração em 1942 e foi sepultada no México. Sobre o seu velório nos diz Pablo Neruda em seu livro, “Confesso que vivi”:
A reação mexicana intentou reviver a infância cobrindo de escândalo sua
própria morte, como antes a tinham querido envolver na morte de Mella. Enquanto
isso, Carlos e eu velávamos o pequeno cadáver. Ver sofrer um homem tão forte e
tão valente não é um espetáculo agradável. Aquele leão sangrava ao receber na
ferida o veneno corrosivo da infâmia que queria manchar Tina Modotti uma vez
mais, já morta. O comandante rugia com os olhos avermelhados; Tina estava como
que de cera em seu pequeno ataúde de exilada; eu calava-me, impotente diante de
toda a angústia humana reunida naquela sala.
Os jornais enchiam as páginas de imundícies folhetinescas. Chamavam-na “a
mulher misteriosa de Moscou”, acrescentando alguns: “Morreu porque sabia demais”.
Impressionado pela furiosa dor de Carlos tomei um decisão. Escrevi um poema
desafiante contra os que ofendiam nossa morta, mandando-o a todos os jornais,
sem esperança alguma de que o publicassem. Oh, milagre! No dia seguinte, em vez
de novas e fabulosas revelações prometidas na véspera, apareceram em todas as
primeiras páginas meu indignado e desabrido poema: “Tina Modotti está morta”. Li-o naquela manhã no cemitério do
México, onde deixamos seu corpo, que jaz para sempre sob uma pedra de granito
mexicano. Sobre essa pedra estão gravadas minhas estrofes.
Segue abaixo o tal poema:
Tina Modotti está morta
Tina Modotti, irmã, você não dorme, não, não
dorme
talvez o seu coração ouça crescer a rosa
de ontem, a última rosa de ontem, a nova
rosa.
Descanse docemente, irmã.
A nova rosa é sua, a nova terra é sua:
você vestiu um vestido novo, de semente
profunda
e seu silencio suave se enche de raízes.
Você não dormirá em vão.
Seu doce nome é puro, pura é sua vida
frágil: de abelha, sombra, fogo, neve, silencio, espuma,
de aço, linha, pólen, construiu-se sua
férrea,
sua delicada estrutura.
O chacal, diante dessa joia que é seu corpo
adormecido,
ainda levanta a pena, sangrenta ao par de
sua alma,
como se você, irmã, pudesse levantar-se,
sorrindo, acima do lamaçal.
Vou levar você à minha pátria para que não a
toquem,
à minha pátria de neve, para que sua pureza
não seja alcançada pelo assassino, pelo
chacal, pelo vendido:
lá você estará tranquila.
Você ouve um passo, um passo cheio de
passos, algo
de grande, desde as estepes, desde o Don,
desde o frio?
Você ouve um passo lime, de soldado na neve?
Irmã, são seus passos.
Algum dia eles passarão por seu túmulo
pequeno,
antes de as rosas de ontem murcharem;
passarão para ver os de um tempo, amanhã,
lá onde arde seu silêncio.
Um mundo marchou ao lugar onde você ia,
irmã.
As canções de sua boca avançam a cada dia,
na boca do povo glorioso que você amava.
Seu coração era valente.
Nas velhas cozinhas de sua pátria, nas
estradas
poeirentas, algo se diz, algo passa,
algo volta à chama de seu povo dourado,
algo desperta-se e canta.
É sua gente, irmã: nós que hoje pronunciamos
seu nome
nós que de toda a parte, da água e da terra,
com seu nome, outros nomes silenciamos e
pronunciamos.
Porque o fogo não morre.
Imagem de Tina, Hollywood, c.1919.Credit Tina Modotti
Maravilha...Amei amei amei.
ResponderExcluir.."
ResponderExcluirTina Modotti está morta
Tina Modotti, irmã, você não dorme, não, não dorme
talvez o seu coração ouça crescer a rosa
de ontem, a última rosa de ontem, a nova rosa.
Descanse docemente, irmã.
A nova rosa é sua, a nova terra é sua:
você vestiu um vestido novo, de semente profunda
e seu silencio suave se enche de raízes. Você não dormirá em vão"...
.." Meus amigos poetas
ResponderExcluirSuplico-lhes emprestado
Um verso que possa
Traduzir o que sinto
Um misto de dor e alegria
Algo que nasce das veias
Algo que fale do belo
E que me faz ficar mudo."...