Encontro com o eunuco

 

O livro dos Atos dos Apóstolos (At 8, 26-40) registra um encontro digno de nossas reflexões, entre o Apóstolo Filipe e o eunuco etíope, ministro de Candace, rainha da Etiópia e administrador do seu tesouro. O texto começa afirmando que, nesse encontro, Filipe foi orientado por um anjo e termina dizendo que após o mesmo, foi arrebatado pelo Espírito do Senhor.  Após a morte do Diácono Estêvão e o aumento da perseguição aos cristãos, em Jerusalém, Filipe dirigiu-se, em missão, a uma cidade na região da Samaria. Essa missão foi bem sucedida e “grande foi a alegria naquela cidade”. Em seguida o apóstolo, orientado por um anjo dirigiu-se para o sul, certamente, na região da Faixa de Gaza onde se deu o encontro com o eunuco.

O eunuco de Candace voltava para sua terra após uma peregrinação em Jerusalém. O texto não diz qual era a situação dele perante o judaísmo, mas por informações adicionais podemos constatar que ela fosse, no mínimo, problemática. No livro do Deuteronômio encontramos a seguinte passagem referente aos eunucos: O homem com testículos esmagados ou com o pênis cortado não entrará na assembleia de Javé (Dt 23,2). Sendo assim, o eunuco, provavelmente, não fosse aceito no judaísmo mais ortodoxo. Ele era estrangeiro, “mutilado”, escravo e, certamente, negro... Nada disso impediu que ele recebesse o batismo cristão após uma breve preparação à luz da Palavra de Deus. Isso mostra o universalismo da primeira comunidade cristã e sua abertura ao mundo pagão.

O eunuco em sua viagem de retorno refletia sobre a seguinte passagem do Profeta Isaías: “Ele foi levado como ovelha ao matadouro; e qual um cordeiro diante de seu tosquiador, ele emudeceu e não abriu a boca. Eles o humilharam e lhe negaram justiça; e seus descendentes, quem os poderá enumerar?” (Is 53,7-8). Mas, assim como qualquer um de nós, o eunuco também não entendia, direito, o que estava lendo. Por isso, pediu que Filipe explicasse o texto para ele. Esse desejo de entender a Palavra de Deus já é a metade do caminho! Percebendo sua sede de Deus Filipe não perdeu tempo e, começou com ele, um processo de evangelização pela palavra. Chegando a um lugar que havia água, o eunuco pediu o batismo. Talvez, ele tenha sido o primeiro africano a  receber o batismo cristão!

Em seu primeiro livro de uma trilogia sobre a escravidão (2019), o escritor Laurentino Gomes, comentou sobre a situação dos eunucos escravizados no período que marcou os grandes descobrimentos. Apesar de tratar-se de épocas diferentes, é provável que haja pontos semelhantes com relação ao assunto:

“Os eunucos, eram homens privados da virilidade mediante a castração, ainda na adolescência. Devido à suposta falta de apetite sexual, geralmente eram designados para fazer a guarda dos haréns, embora também ocupassem funções-chave na estrutura dos impérios, como tesoureiros, ministros, conselheiros político e até comandantes militares. Representavam uma forma extrema de escravidão, antiquíssima, praticada na China, Índia, Pérsia, nos territórios muçulmanos e citada repetidas vezes na Bíblia e em outros textos antigos...”

O profeta Jeremias foi salvo por um eunuco quando foi lançado numa cisterna sem água (Jer 38,7).  Essa passagem bíblica registra a existência de um eunuco entre aquele povo e mostra que a prática da castração de escravos era bem antiga.

O eunuco de Candace, cujo nome não aparece no texto,  representava um grupo humano excluído da possibilidade de salvação, segundo os critérios do judaísmo antigo. Mas, a força da Palavra de Deus ajuda a romper com as barreiras e as distâncias étnicas e sociais. O texto de Atos mostra-nos, uma “Igreja em saída”, quando o pastor deixa o rebanho no redil para buscar uma única ovelha perdida. Por outro lado, devemos destacar o desejo do eunuco em compreender a mensagem e receber o batismo. De nada adiantaria um grande missionário, ainda que se tratasse de um apóstolo de Cristo, caso o receptor da mensagem não tivesse interesse por ela. Com essa passagem bíblica podemos aprender muitas coisas. Pense nisso!

Imagem de D Mz por Pixabay