Conversa de bois: onde fábula e realidade se encontram
No conto “Conversa de bois” o oitavo de Sagarana, de João Guimarães Rosa o realismo parece misturar-se com a fantasia. A certa altura do c...
No conto “Conversa de bois” o
oitavo de Sagarana, de João Guimarães Rosa o realismo parece misturar-se com a
fantasia. A certa altura do conto o
pensamento dos bois se confundem com o pensamento de Tiãozinho, o menino que os
guiava. O texto tem como testemunha uma irara (cachorrinho do mato) que vai
seguindo o carro puxado por oito bois. Agenor Soronho, homem mau é um carreiro
afamado mas, é muito cruel com os animais. É ele o responsável pelo transporte
de uma carga de rapadura para o Major Freches. Junto à carga transportava também
um defunto deitado sobre as rapaduras. “Não
havia caixão: só o esquife tosco, entre padiola e escada, com as barras atadas
com embira e cipó. Ajeitaram o morto em cima do ladrilhado das rapaduras”.
Na opinião dos bois Tiãozinho era
o “bezerro de homem” que babava pelos olhos e Agenor Soronho era o homem do pau
comprido com marimbondo na ponta. Na verdade, Tiãozinho chorava pelo caminho,
pois o defunto que transportava era seu próprio pai. Além disso, sabia que
Agenor Soronho era amante de sua mãe e para encontrar-se com ela não respeitava
nem a doença do pai. Agenor era um homem medonho: “Era um homenzão ruivo, de mãos sardentas e muito mal-encarado...”
Quem narrou a conversa dos bois foi Manuel Timborna. Mas, ele simplesmente, passou adiante a narrativa da irara que ele prendera. A condição para soltar o bichinho foi que ele contasse o que ouvira dos bois. Mas, quem conta um conto aumenta um ponto. Por isso, a história original acabou sendo enfeitada por Manuel Timborna.
Boi é boi, gente é gente. Mas, de tanto conviver uns com os outros eles se tornam parecidos. Os bois temiam que Tiãozinho pudesse ler os seus pensamentos que nem sempre eram bons com relação aos homens. Um boi chegou a ironizar a fraqueza humana. Disse aos colegas que já tinha visto um homão correr de uma simples vaca. Logo de uma vaca! Um dos bois metidos a ser gente, o Radapião, acabou morrendo primeiro que os outros ao tentar escalar uma montanha íngreme à procura de água. Ele tinha uma lógica: Onde houvesse árvores juntas e mato comprido haveria água. Por isso, escalou um grande barranco em busca do precioso líquido e acabou rolando lá de cima morrendo na queda. Foi até um alívio, pois boi Radapião ficava confundindo os colegas com suas ideias de homens. Certa vez afirmou: “Todo boi é bicho. Nós todos somos bois. Então, nós todos somos bichos”! – Onde já se viu ideia mais estúrdia?
Em um ponto os bois concordavam.
Agenor Soronho não prestava. Sem motivo virava na direção deles o seu pau
comprido com marimbondo na ponta, ou seja, a sua vara de ferrão. Por nada batia
nos animais e maltratava Tiãozinho com palavras duras: “Que martírio!... De vez que não acaba mais com isso, ou tu pensa que
os outros vão ficar no arraial com o cemitério aberto, esperando a gente? – Que
sina a minha, trabalhando em sol e chuva, e inda tendo de aguentar este
mamão-macho, sem preceito! Tu falas macio, mas p’ra trabalhar comigo tu não
presta... Que me importa, se a gente chega de noite no arraial? O pai não é
meu, não... O pai é seu mesmo... Só que tu não tens aquela coisa na cara...
Mas, agora, tu vai ver... Acabou-se a
boa vida... Acabou-se o pagode”!
Aquela viagem foi carregada de tristezas para Tiãozinho e para os bois, constantemente, ferroados por Agenor Soronho. Mas, todo sofrimento tem um fim. Depois que os bois arrastaram o carro, com dificuldade, subindo o Morro do Sabão a viagem ficou mais calma. Nisso, os bois perceberam que Soronho dormia no cabeçalho do carro. Até Tiãozinho, depois de muito chorar andou dando uns cochilos enquanto caminhava. E foi aqui que os bois conversaram bastante um com o outro e, de vez em quando, os pensamentos deles se cruzavam com os de Tiãozinho. Ao verem que Soronho cochilava no carro resolveram puxar o mesmo em disparada e de solavancos. Não deu outra! Agenor Soronho caiu do carro e a roda do mesmo passou sobre o seu pescoço. Ele morreu na hora. Agora somente Tiãozinho passou a conduzir os bois e em vez de levar um defunto passou a transportar dois. Com a morte de Agenor Soronho o carro cantou até mais bonito...
Esse Geraldinho ia ser um sucesso hoje? Creio que não. Meu filho não entendeu nada dos casos dele.
ResponderExcluirMuito interessante, e acredito sim que eles se comunicam. Morri de rir com o causo. Kkkk
ResponderExcluir..." No conto “Conversa de bois” o oitavo de Sagarana, de João Guimarães Rosa o realismo parece misturar-se com a fantasia. A certa altura do conto o pensamento dos bois se confundem com o pensamento de Tiãozinho"...
ResponderExcluirParabéns Padre Gabriel pela crônica maravilhosa.
Bonito
ResponderExcluirAssim sejas
ResponderExcluir